João Pereira Coutinho
NÃO É TODOS OS DIAS que encontramos um ator de Hollywood a pensar
com clareza. Mas aconteceu. Matt Damon, sobre os escândalos sexuais que abalam
a indústria, disse duas coisas que merecem aplauso.
A primeira é que nem todos os
homens são predadores sexuais por definição, uma ideia óbvia que tem sido
esquecida nas fogueiras recentes. Houve condutas reprováveis ou mesmo
criminosas?
Sem dúvida. Mas os espíritos
mais radicais gostam de vulgarizar a seguinte ideia: onde há macho, há abuso. O
raciocínio parece-me tão sinistro como a afirmação inversa: onde há fêmea, há
uma oportunidade.
Mas Matt Damon foi mais longe
ao afirmar que, de hoje em diante acordos de confidencialidade devem ser
enterrados. Antigamente, quando alguém acusava um produtor ou ator de
comportamento impróprio, os grandes estúdios (ou os próprios acusados) tentavam
chegar a acordo, mesmo que a denúncia fosse fantasiosa. O cálculo era simples:
entre o dano potencial a um filme (e a uma carreira) ou uma espécie de
"indemnização" para parar a chantagem, a segunda opção era mais
rápida e barata.
Matt Damon defende, com razão,
que as acusações não devem ser tratadas na confidencialidade. E acrescentou:
quem acusa falsamente, deve ser processado por difamação. Essa, aliás, é a
única coisa que espanta no rol de acusados: se muitos se dizem inocentes, por
que motivo não respondem com os tribunais? A passividade das criaturas legitima
todas as suspeitas sobre elas.
Infelizmente, Matt Damon não
levou até ao fim o seu saudável raciocínio para condenar produtores ou
realizadores que afastam atores simplesmente porque estes foram acusados na
praça pública. Um tal gesto de cobardia não é apenas um insulto à presunção de
inocência. É um princípio perigoso que se volta facilmente contra qualquer um.
Se a primeira reação da
indústria é despedir quem é suspeito de ter lepra, existe sempre o risco de
Hollywood inteiro se transformar numa colônia de leprosos.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO,
nº 712, de 21 a 27 de dezembro de 2017
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