terça-feira, 1 de setembro de 2020

[Aparecido rasga o verbo] Fofoqueiro

Aparecido Raimundo de Souza

OS DOIS AMIGOS SE ENCONTRAM, casualmente, no ponto de ônibus. Enquanto esperam pelo coletivo, aproveitam para porem as conversas e as fofocas em dia.
Curupira:
— E aí, Barbozinha, como está indo seu papo com a nova namorada?
Barbozinha:
— Não está indo para lugar nenhum, Curupira. Mercedes não passa de uma boa amiga.
Curupira:
— Fiquei sabendo que vocês estão saindo?
Barbozinha:
— Ficou sabendo? Por quem?
Curupira:
— Não vem ao caso, Barbozinha, não vem ao caso. Cá entre nós: é ou não verdade?

Barbozinha:
— Boatos. Futricas. Falatório. Coisas de gente que não tem o que fazer...
Curupira:
— Verdades e mentiras à parte, o fato é que vocês foram vistos, no dia dos namorados, de mãos dadas, trocando coraçõezinhos apaixonados, num restaurante perto daqui, jantando a luz de velas. Rolou até vinho..
Barbozinha:
— Fomos vistos? Por quem?
Curupira:
— Como já disse, Barbozinha, não vem ao caso. E aí? As informações que me passaram procedem?
Barbozinha:
— Não totalmente!...

Curupira:
— Como, não totalmente? Na sua idade, Barbozinha, ou melhor dito, na nossa idade, as coisas ou são ou deixam de ser. Não existe meio termo.
Barbozinha:
— Curupira, meu velho, tá aí um lado seu que eu desconhecia completamente. Percebo, agora, que você adora viver metido em traquinadas, urdiduras e tudo o mais que esteja ligado à mexinflórios. Por que não usa seu tempo disponível para dar 'uns agarro' —, com todo respeito que tenho —, na sua velha patroa de guerra?
Curupira neste momento se empolga:
Curupira:
— Amarroto a Vanda todo santo dia, ou melhor, toda hora. Ela até já está com as partes pudentes afogueadas... Você sabe... Me refiro aos ‘beiços da alegria...’.

E embalado nessa empolgação, viaja na maionese.
Curupira:
 — Pra seu governo, o brinquedo da Vanda anda gasto, de tanto que não lhe dou folga. Voltando ao rumo da nossa prosa, não sou nada disso que você me tachou: passo longe de ser uma pessoa caraminhola, dessas desocupadas que vivem o dia todo metido em rodízios de coscuvilhices. Nem levaria nosso bate papo para esse lado dos mexericos ou das trancinhas e xodós. Não tenho culpa de acreditar piamente naquela história de que onde há fumaça...

Barbozinha:
— Tudo bem, fomos a um restaurante. Tomamos um vinho. Qual o problema?
Curupira:
— Para mim, nenhum... Todavia, levando em consideração o que você falou da pobrezinha...
Barbozinha:
— Eu falei? O que eu falei? E para quem?
Curupira:
— Não mude de assunto, Barbozinha. Importa o que você falou dela.
Barbozinha:
— Tá legal. O que eu falei?
Curupira:
— Não se lembra?
Barbozinha:
— Talvez pelo fato de não ter falado absolutamente nada, não acha? Ao menos pensou nessa possibilidade?

Curupira:
— Juro que pensei. Contudo, estou deveras intrigado.
Barbozinha:
— Intrigado? Com quê?
Curupira:
— Com a história da bunda, perdão, das ancas grandes...
Barbozinha:
— Confesso, cá entre nós e por favor, morre aqui: a Mercedes  tem a poupança um tanto quanto avantajada...
Curupira:
— Tirando ‘os traseiro enorme’, você espalhou na rua lá do seu antigo bairro que ela pisca do olho direito compulsivamente... Como se fosse um velho cacoete?
Barbozinha:
— Problemas com um cisco que caiu quando ela ia de casa para o trabalho.
Curupira:
— E a parada da dentadura?  O troço atrapalha mesmo na hora de trocar uns 'beijinhos de língua' mais demorados?

Barbozinha:
— Percebo que você foi fundo, meu camarada.
Curupira:
— Estou vendendo os peixes pelo mesmo preço que os comprei.
Barbozinha:
 — Daqui a pouco vai me dizer que ela masca chicletes por causa do mau hálito.
Curupira:
— Bem lembrado. Havia me esquecido desse pormenor. Sem falar nos peidos...
Barbozinha:
— O quê? Peidos?  Que peidos?
Curupira:
— Você teria comentado com uma amiga que a sua namorada...
Barbozinha:
— Ela não é minha namorada, meta isso na sua cabeça.
Curupira:
— Não precisa ficar irritado. Você teria comentado com uma amiga que a pessoinha é tão desengonçada, tão sem noção,  que só serve para soltar puns sonoros nas reuniões chatas da APAE.

Barbozinha:
— Da APAE? — E por que da APAE?
Curupira:
— Ela não faz parte da diretoria do bairro onde você mora?
Barbozinha:
— Pelo amor de Deus, cara. Que vendaval de intrigas. De onde você tirou todas essas barbaridades?
Curupira:
— Falaram... Comentaram...
Barbozinha:
— Quem, Curupira? Aponte nomes.
Curupira:
— Jamais. Não sou dedo duro.
Barbozinha:
— Mas é pior que um, em carne e osso. É também alcoviteiro, tem cara de sangangu. Age como um nó cego, vive atrás de teceduras, e, acredito, até goza, quando se mete numa maçaroca de fofocagem.

Curupira:
— Estou gostando de ver. Para quem é só amigo, tá puxando muito a sardinha para o lado dela. Espere: quase me esquecia. E o anel?
Barbozinha:
— Anel, Curupira? Que anel é esse que você arranjou?
Curupira:
— Ora, o que você comprou para dar a ela...
Barbozinha:
— Eu dei um anel para ela?
Curupira:
— Uma joia fina, de dezoito quilates. Só assim você conseguiu desencalhar a boa.
Barbozinha:
— Boa? Que boa?!
Curupira:
— A boa senhora. Afinal, meu prezado, ela já passou dos vinte faz muito... Muito... Muito... Tempo...
Barbozinha:
— Vá plantar batatas.

Curupira:
— Não é época para o plantio de batatas. De mandioca, com certeza...
Barbozinha:
— Isso é alguma indireta para mim?
Curupira:
— De forma alguma.
Barbozinha:
  Sei não, Acho que você está me sacaneando.
Curupira:
— Barbozinha, você sabe que somos amigos há mais de trinta anos. Com relação a alinaça, ninguém compra uma joia cara por nada. Antecipa a novidade: quando será o casório?
Barbozinha:
— Está louco? Pirou de vez? Eu lá sou de casar com alguém?
Curupira:
— Quando digo casar, estou me referindo a juntar os pentes, as calcinhas com as cuecas e os 'chulé...'.
Barbozinha:
— Acho que você não regula.

Curupira:
— A galera que flagrou vocês lá no tal restaurante, escutou um papo de casório para daqui a cinco ou seis meses. Inclusive estavam escolhendo os nomes dos padrinhos.
Barbozinha:
— Padrinhos? Casamento? Curupira, vai te lixar.
Curupira:
— Posso até fazer o que me pede, Barbozinha. Posso até fazer. Vou me lixar. De verde amarelo, se lhe interessa saber. Antes, porém, de me pôr a caminho, responde uma perguntinha?
Barbozinha:
— Que perguntinha, ô Mané?
Curupira:
— Vai me convidar, mais a patroinha lá em casa para sermos um dos padrinhos do seu enlace?

O ônibus, de repente, pintou na fita. Barbozinha não aguentou. Antes de Curupira embarcar, quando ele se preparava para enfiar o pé no degrau e subir no coletivo, Barbozinha partiu furioso, para cima dele. Partiu com força e disposição. Dessa forma, o velho amigo Curupira, pego de surpresa, e antes que pudesse esboçar algum tipo de defesa, tomou, no meio das ventas, umas boas porradas para deixar de ser bilhardeiro. Final das contas, em meio ao tumulto, o lotação partiu deixando os dois no ponto e um punhado de curiosos tentando desapartar a encrenca.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo. 1-9-2020

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