Aparecido Raimundo de Souza
OS DOIS AMIGOS SE ENCONTRAM, casualmente, no
ponto de ônibus. Enquanto esperam pelo coletivo, aproveitam para porem as
conversas e as fofocas em dia.
Curupira:
— E aí, Barbozinha, como está indo
seu papo com a nova namorada?
Barbozinha:
— Não está indo para lugar nenhum,
Curupira. Mercedes não passa de uma boa amiga.
Curupira:
— Fiquei sabendo que vocês estão
saindo?
Barbozinha:
— Ficou sabendo? Por quem?
Curupira:
— Não vem ao caso, Barbozinha, não
vem ao caso. Cá entre nós: é ou não verdade?
Barbozinha:
— Boatos. Futricas. Falatório.
Coisas de gente que não tem o que fazer...
Curupira:
— Verdades e mentiras à parte, o
fato é que vocês foram vistos, no dia dos namorados, de mãos dadas, trocando
coraçõezinhos apaixonados, num restaurante perto daqui, jantando a luz de
velas. Rolou até vinho..
Barbozinha:
— Fomos vistos? Por quem?
Curupira:
— Como já disse, Barbozinha, não vem
ao caso. E aí? As informações que me passaram procedem?
Barbozinha:
— Não totalmente!...
Curupira:
— Como, não totalmente? Na sua
idade, Barbozinha, ou melhor dito, na nossa idade, as coisas ou são ou deixam
de ser. Não existe meio termo.
Barbozinha:
— Curupira, meu velho, tá aí um lado
seu que eu desconhecia completamente. Percebo, agora, que você adora viver
metido em traquinadas, urdiduras e tudo o mais que esteja ligado à
mexinflórios. Por que não usa seu tempo disponível para dar 'uns agarro' —, com
todo respeito que tenho —, na sua velha patroa de guerra?
Curupira neste momento se empolga:
Curupira:
— Amarroto a Vanda todo santo dia,
ou melhor, toda hora. Ela até já está com as partes pudentes afogueadas... Você
sabe... Me refiro aos ‘beiços da alegria...’.
E embalado nessa empolgação, viaja
na maionese.
Curupira:
— Pra seu governo, o brinquedo da Vanda anda
gasto, de tanto que não lhe dou folga. Voltando ao rumo da nossa prosa, não sou
nada disso que você me tachou: passo longe de ser uma pessoa caraminhola,
dessas desocupadas que vivem o dia todo metido em rodízios de coscuvilhices.
Nem levaria nosso bate papo para esse lado dos mexericos ou das trancinhas e
xodós. Não tenho culpa de acreditar piamente naquela história de que onde há
fumaça...
Barbozinha:
— Tudo bem, fomos a um restaurante.
Tomamos um vinho. Qual o problema?
Curupira:
— Para mim, nenhum... Todavia,
levando em consideração o que você falou da pobrezinha...
Barbozinha:
— Eu falei? O que eu falei? E para
quem?
Curupira:
— Não mude de assunto, Barbozinha.
Importa o que você falou dela.
Barbozinha:
— Tá legal. O que eu falei?
Curupira:
— Não se lembra?
Barbozinha:
— Talvez pelo fato de não ter falado
absolutamente nada, não acha? Ao menos pensou nessa possibilidade?
Curupira:
— Juro que pensei. Contudo, estou
deveras intrigado.
Barbozinha:
— Intrigado? Com quê?
Curupira:
— Com a história da bunda, perdão,
das ancas grandes...
Barbozinha:
— Confesso, cá entre nós e por
favor, morre aqui: a Mercedes tem a
poupança um tanto quanto avantajada...
Curupira:
— Tirando ‘os traseiro enorme’, você
espalhou na rua lá do seu antigo bairro que ela pisca do olho direito
compulsivamente... Como se fosse um velho cacoete?
Barbozinha:
— Problemas com um cisco que caiu
quando ela ia de casa para o trabalho.
Curupira:
— E a parada da dentadura? O troço atrapalha mesmo na hora de trocar uns
'beijinhos de língua' mais demorados?
Barbozinha:
— Percebo que você foi fundo, meu
camarada.
Curupira:
— Estou vendendo os peixes pelo
mesmo preço que os comprei.
Barbozinha:
— Daqui a pouco vai me dizer que ela masca chicletes
por causa do mau hálito.
Curupira:
— Bem lembrado. Havia me esquecido
desse pormenor. Sem falar nos peidos...
Barbozinha:
— O quê? Peidos? Que peidos?
Curupira:
— Você teria comentado com uma amiga
que a sua namorada...
Barbozinha:
— Ela não é minha namorada, meta
isso na sua cabeça.
Curupira:
— Não precisa ficar irritado. Você
teria comentado com uma amiga que a pessoinha é tão desengonçada, tão sem
noção, que só serve para soltar puns
sonoros nas reuniões chatas da APAE.
Barbozinha:
— Da APAE? — E por que da APAE?
Curupira:
— Ela não faz parte da diretoria do
bairro onde você mora?
Barbozinha:
— Pelo amor de Deus, cara. Que
vendaval de intrigas. De onde você tirou todas essas barbaridades?
Curupira:
— Falaram... Comentaram...
Barbozinha:
— Quem, Curupira? Aponte nomes.
Curupira:
— Jamais. Não sou dedo duro.
Barbozinha:
— Mas é pior que um, em carne e
osso. É também alcoviteiro, tem cara de sangangu. Age como um nó cego, vive
atrás de teceduras, e, acredito, até goza, quando se mete numa maçaroca de
fofocagem.
Curupira:
— Estou gostando de ver. Para quem é
só amigo, tá puxando muito a sardinha para o lado dela. Espere: quase me
esquecia. E o anel?
Barbozinha:
— Anel, Curupira? Que anel é esse
que você arranjou?
Curupira:
— Ora, o que você comprou para dar a
ela...
Barbozinha:
— Eu dei um anel para ela?
Curupira:
— Uma joia fina, de dezoito
quilates. Só assim você conseguiu desencalhar a boa.
Barbozinha:
— Boa? Que boa?!
Curupira:
— A boa senhora. Afinal, meu
prezado, ela já passou dos vinte faz muito... Muito... Muito... Tempo...
Barbozinha:
— Vá plantar batatas.
Curupira:
— Não é época para o plantio de
batatas. De mandioca, com certeza...
Barbozinha:
— Isso é alguma indireta para mim?
Curupira:
— De forma alguma.
Barbozinha:
—
Sei não, Acho que você está me sacaneando.
Curupira:
— Barbozinha, você sabe que somos
amigos há mais de trinta anos. Com relação a alinaça, ninguém compra uma joia
cara por nada. Antecipa a novidade: quando será o casório?
Barbozinha:
— Está louco? Pirou de vez? Eu lá
sou de casar com alguém?
Curupira:
— Quando digo casar, estou me
referindo a juntar os pentes, as calcinhas com as cuecas e os 'chulé...'.
Barbozinha:
— Acho que você não regula.
Curupira:
— A galera que flagrou vocês lá no
tal restaurante, escutou um papo de casório para daqui a cinco ou seis meses.
Inclusive estavam escolhendo os nomes dos padrinhos.
Barbozinha:
— Padrinhos? Casamento? Curupira,
vai te lixar.
Curupira:
— Posso até fazer o que me pede,
Barbozinha. Posso até fazer. Vou me lixar. De verde amarelo, se lhe interessa
saber. Antes, porém, de me pôr a caminho, responde uma perguntinha?
Barbozinha:
— Que perguntinha, ô Mané?
Curupira:
— Vai me convidar, mais a patroinha
lá em casa para sermos um dos padrinhos do seu enlace?
O ônibus, de repente, pintou na
fita. Barbozinha não aguentou. Antes de Curupira embarcar, quando ele se
preparava para enfiar o pé no degrau e subir no coletivo, Barbozinha partiu
furioso, para cima dele. Partiu com força e disposição. Dessa forma, o velho
amigo Curupira, pego de surpresa, e antes que pudesse esboçar algum tipo de
defesa, tomou, no meio das ventas, umas boas porradas para deixar de ser
bilhardeiro. Final das contas, em meio ao tumulto, o lotação partiu deixando os
dois no ponto e um punhado de curiosos tentando desapartar a encrenca.
Título e Texto: Aparecido
Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo. 1-9-2020
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