Aparecido Raimundo de Souza
Outros quatro, vestidos com as roupas dos Correios, circulam no curto espaço entre a avenida Nossa Senhora de Copacabana, o Bar Bunda de Fora e a Avenida Atlântica. O delegado Chicago, chefe da operação ‘Êxtase invisível’, finge ler as noticias dos jornais dependuradas numa banca de revistas. Na verdade, ele espreita toda a movimentação do quarteirão, enquanto chupa um picolé que acabou de comprar de um vendedor ambulante que cruzou em direção à praia.
— Senhor...
— Solta esta geringonça, seu imbecil. Quer ser preso por obstrução policial?
— Quem, senhor?
— O delegado, seu idiota.
— Sim senhor... Mas...
— Não.
— Bozé, seu Mané: sou eu.
— Credo, seu Defuntino! Com este disfarce, só Jesus! Bigode, peruca, vestido com jaleco de médico, estetoscópio no pescoço... Se o senhor não me fala... Fique tranquilo. Disse ao chato do delegado que o senhor subiu para o décimo.
— Legal. Valeu!
— Apesar disso, tome cuidado seu Defuntino. Tá vendo aquele lixeiro grudado ali no Bardana?
— Sim. O que tem ele?
— É um agente camuflado.
— Ótimo. Continue de ‘butuca’. Vou levar a Xuxa para dar uma voltinha... Se liga...
— Deixa comigo...
Defuntino sai, passa numa boa pelo policial embuçado e segue em direção à Avenida Atlântica.
O delegado retorna à portaria. O porteiro, se adianta a ele:
— Achou quem o senhor procura?
O delegado fulmina o funcionário. Está pra lá de possesso. Não fala, grita:
— Claro que não, seu quadrúpede. Qual o apartamento do meliante?
— De quem, senhor?
— Deste cara que lhe mostrei a foto. Veja de novo.
— 1.001.
O delegado berra o policial gari. O porteiro libera o ingresso para que ele se aproxime. Enquanto isto, tira do bolso uma folha de papel. Na verdade, um mandado de prisão:
— Passe um rádio para os demais. Quero dois homens pelas escadas, e um em cada elevador. 1.001.
— Que diabo é isto, doutor?
— O cafofo do suspeito.
Os ‘tiras’ que andavam lá fora, na calçada, com os uniformes dos correios, pintam no pedaço. O policial varredor de rua repassa as ordens:
— Gil e Caju, pelas escadas, Goiaba, no elevador de serviço. Eu e você Tinhoso, mais o doutor delegado, no social.
— Qual a cachanga?
— 1.001. Vai, vai, vai...
Todos somem das vistas do Bozé. Retorna, à cena, uma exuberante mulher lindamente maquiada e acondicionada numa longa indumentária vermelha de tirar o fôlego. Ela toca o interfone:
— Pois não, senhora?
— Bozé, seu palhaço... Abre depressa. Sou eu...
— Eu quem? Nunca lhe vi mais gorda!
— Bozé, sou eu, Defuntino.
— Cruz credo, seu Defuntino! Vestido, digo, vestida de granfina, empoleirada no salto alto... Com todo respeito, a boneca está divina. Desculpe. Cadê a Xuxa?
— Psiu! Fale baixo. Tá me tirando? Deixe de brincadeira. Deixei a cadelinha no apartamento da minha irmã. Como você sabe, ela reside logo aqui na esquina da Atlântica. Cadê ‘os tira?’
— 1.001.
— Boa, boa...
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo, 22-9-2020
Colunas anteriores:
Fiquei com uma pena danada do porteiro do Edifício Tebas, o pobre do Bozé. A corda sempre rebenta do lado mais fraco. Verdade verdadeira. Sem falar no delegado Chicago que, igualmente, 'chicagou' todo, além de se mostrar incompetente e despreparado para tal missão. No Brasil é assim e o texto de Aparecido Raimundo de Souza retratou fielmente a imbecilidade galopante de certos agentes policiais, mostrando que a burrice continuará a todo vapor. Nada, de fato, mudará. Certos policiais, vivem de aparências, de dar carteiradas. Trepados em suas funções, se tornam 'machos pra burro' e esquecem o verdadeiro sentido da lei, da ordem e da justiça, tornando a 'Senhora da Venda nos Olhos', mais nojenta e perigosa.
ResponderExcluirCarina Bratt
Ca
de Vila Velha, no Espírito Santo.