Aparecido Raimundo de Souza
TONINHO
FOI SE APROXIMANDO lentamente, sem que Antonella se apercebesse de sua
aproximação. Quando deu com ele, a jovem se levantou e o beijou carinhosamente
no rosto.
Antonella:
— Desculpa. Não vi você chegar. Faz
tempo que está por ai?
Toninho:
— Uns dez minutos. Quando
estacionava, topei com seu carro e, longo em seguida achei você. Não quis te
importunar. Fiquei quietinho, esperando. Parecia distante. Onde estava?
Antonella:
— Longe...
Toninho:
— Onde exatamente?
Antonella:
— Em algum lugar do passado.
Toninho:
— Fazendo?
Antonella:
— Pensando...
Toninho:
— Em quê?
Antonella:
— Na vida. Em mim. Sobretudo, em
mim...
Toninho:
— E o que pensava?
Antonella:
— Bobeiras. Coisas sem nexo.
Toninho:
— Não quer falar dessas bobeiras?
Antonella:
— Até posso. Afinal, não são coisas
que precise esconder de ninguém. Pensava que não sou feliz. Imagine só: a vida
inteira procurei pela felicidade e, ela, nunca chegou, sequer, aos meus pés.
Toninho:
— E o Marcos Vinícius?
Antonella:
— Uma homem lindo.
Toninho:
— Só isso?
Antonella:
— Excelente companheiro.
Toninho:
— Algo mais, Antonella?
Antonella:
— Um amor de pessoa. Rapaz de bom
coração. Dotado de gestos nobres. Cabeça no lugar. Visão profunda, das coisas.
Tem uma família legal, uma irmã maravilhosa. Estefânia é o nome dela. Na sexta
passada saímos juntos. Estivemos aqui.
Toninho:
— Que legal, que bacana. Até onde
vocês foram? Quero dizer, no encontro?
Antonella:
— Até um beijo descontraído nos lábios.
Toninho:
— Se beijaram? Que massa!
Antonella:
— Não pense maldades. Tudo rolou sem
segundas intenções.
Toninho:
— Apesar disso... Foram além?
Antonella:
— O que é ir além, pra você,
Toninho?
Toninho:
— Ultrapassar o sinal vermelho.
Antonella:
— Não estávamos de carro. Só eu.
Logo...
Toninho, aos risos:
— Você entendeu o que eu quis dizer?
Antonella:
— Não. Sou meio burra para certas
coisas. Explique melhor.
Toninho:
— Ultrapassar o sinal vermelho é chegar
aos finalmente.
Antonella:
— Nem perto chegamos.
Toninho:
— Quem deu para trás na hora?
Antonella:
— Eu.
Toninho:
— Só isso?
Antonella:
— É. Só isso. Eu dei pra trás,
literalmente.
Toninho:
— Conte os detalhes.
Antonella:
— Embaçou, amigo. Não existem
detalhes. Caminhamos daqui até o farol. De lá, descemos à areia. Ele tirou o
tênis. Eu os sapatos. Arregacei a bainha da calça. Ele idem. Começamos a andar
pela praia. De vez em quando, parávamos para olhar o mar. Não se via nada. Só
escuridão. O farol, como você sabe, está desativado há meses. Então eu...
Toninho:
— Você o quê, Antonella?
Antonella:
— Eu o beijei na testa. Foi um beijo
assim tipo delicado, meigo, sutil, coisa de amigos. Depois... Depois viemos
embora.
Toninho:
— E os "finalmente?"
Antonella:
— Não houve finalmente...
Toninho:
— Você uma moça tão linda, não jogou
seu charme?
Antonella:
— Não quis jogar charme, tampouco
forçar a barra. Chegamos ao — , perdão — , eu cheguei a um beijo. Um único
beijo. Foi só. Se isso para você significa os finalmente...
Toninho:
— E o Marcos Vinícius, não partiu
para o ataque?
Antonella:
— Ele bem que tentou, mas, diante da
minha frieza, passou batido.
Toninho:
— Batido?
Antonella:
— Sim. Ele forçou algo mais sério,
eu me mostrei fria e sem interesse...
Toninho:
— Eu teria caído matando.
Antonella:
— Toninho, quando um não quer, dois
não brigam.
Toninho:
— Concordo com você.
Antonella:
— Fui tão indiferente que ele chegou
a tremer de medo mesmo. Quem sabe estivesse pensando que eu fosse além do
beijo, ou do pegar nas mãos.
Toninho:
— E depois do tal beijo?
Antonella:
— Ele fechou os olhos, abaixou a
cabeça e sorriu. Me respeitou. Adorei esse gesto. Num momento me pareceu estar
envergonhado.
Toninho:
— Antonella, o Marcus Vinícius tem
fama de mulherengo. Até onde sei, traça todas. Não conheço ninguém que ele não
tenha tirado proveito...
Antonella:
— Ele é um gentleman. Diria que hoje
em dia é difícil encontrar um cara igual a ele.
Toninho:
— Tudo bem: e depois do balde de
água fria, o que ele fez?
Antonella:
— Voltamos, de novo ao farol. Antes
de nos calçarmos...
Toninho:
— Continue...
Antonella:
— Repeti o beijo. Só que desta vez,
não na testa, mas nos lábios. Selinho. O tremor do corpo dele desaparecera por
completo. Senti o seu coração batendo descompassado. Abracei-o pela cintura.
Depois, entrelacei minhas mãos em volta de seu pescoço e disse: gato, não há
nada de errado com você. Eu é que estou com a cabeça em outro lugar.
Toninho:
— E ele?
Antonella:
— Concordou. Quando eu iria revelar
um segredo a ele, avistamos uma luz.
Toninho:
— Um carro?
Antonella:
— Certamente.
Toninho:
— Prossiga...
Antonella:
— Rapidamente calçamos os sapatos,
desdobrei a bainha da calça, ajeitei os cabelos...
Toninho:
— E...?
Antonella:
— A luz veio se aproximando, se
aproximando. Então parou. A uns duzentos metros de nós.
Toninho:
— Ladrões?
Antonella:
— Pensávamos que fosse. Era a
polícia. Dois fardados saíram do carro e se aproximaram com uma lanterna nas
mãos. Perguntaram o que fazíamos por ali, àquelas horas. Eu expliquei. Eles
falaram que era perigoso ficar, devido ao adiantado da noite. “Tem havido uma
série de assaltos por estas bandas. Seria melhor que vocês fossem embora”.
Toninho:
— Então?
Antonella:
— Achamos melhor seguir o conselho.
Entramos em meu carro. Deixei-o em casa.
Toninho:
— Em casa?
Antonella:
— É no portão.
Toninho:
— Como foi a despedida?
Antonella:
— Voltei a lhe dar um beijo no meio
da testa. Repeti o abraço. Permanecemos agarradinhos bem uns cinco minutos.
Depois ele entrou, silencioso. Antes de fechar, de vez, a porta e apagar a luz
da varanda, olhou para mim e me jogou um beijo com a mão direita. Então me
afastei, entrei em meu carro e fui embora para minha casa dormir.
Toninho:
— E conseguiu conciliar o sono?
Antonella:
— Não.
Toninho:
— Por quê?
Antonella:
— Fiquei ruminando umas coisas. Não
falei a ele do meu segredo...
Toninho:
— Que coisas? Que segredo?
Antonella:
— Poderia ter jogado ele aqui na
areia onde estamos agora, ou lá no farol. Igualmente arrancado as roupas
daquele deus grego com sofreguidão, e as minhas peças íntimas e então, partido
para o ataque, como nossos amigos costumam dizer: e “feito a festa”.
Toninho:
— E por que não deu seguimento à sua
loucura?
Antonella:
— Quer saber?
Toninho:
— Claro que quero...
Antonella:
— Não conseguiria fazer nada. Acho
que... Acho que na hora entraria em pânico.
Toninho:
— Cara, você entraria em pânico
estando em cima, quero dizer, embaixo de um homenzarrão daqueles?
Antonella:
— Completamente...
Toninho:
— Não estou entendendo. E quanto a
mim? Vamos supor: se eu ficasse nu, aqui agora, na sua frente e lhe agarrasse.
Acha que não conseguiria fazer amor comigo?
Antonella:
— Não, não faria...
Toninho:
— Por acaso me acha feio?
Antonella:
— Claro que não. Você é delicioso.
Um gato. Tem tudo que uma mulher aprecia num macho. Sério.
Toninho:
— Nossa, você me deixou lisonjeado.
Antonella:
— Você é como o Marcos Vinícius.
Perfeito. Sublime, angelical. Tem os lábios maravilhosos... Carnudos, como
gosto... ah!...
Toninho:
— Então? O que há de errado comigo?
Você sabe que no fundo tenho uma quedinha por você. Adoraria fazer sexo
contigo. Se você me pedisse, eu me transformaria no seu garoto de programa,
aqui, agora. Afinal o que nós homens, de um modo geral temos de errado que faz
você se afastar?
Antonella:
— Se eu falar você me odiaria. Esse
é o segredo.
Toninho:
— Jamais. Fale.
Antonella:
— Tem certeza disso?
Toninho:
— Absoluta. Você é minha amiga. Abra
seu coração comigo.
Antonella:
— Eu...
Toninho:
— Em frente, minha princesa. Sou
todo ouvidos...
Antonella:
— Acho melhor a gente mudar de
assunto.
Toninho:
— Claro que não. Seja lá o que for
que está querendo me dizer, vá em frente.
Antonella:
— Tem certeza que não me olhará com
raiva e desprezo depois?
Toninho:
— Você disse que sou como o Marcos
Vinícius. Perfeito, sublime, angelical. Acho que no fundo está me dando uma
cantada. Antonella, responda: na boa. Você quer ser minha namorada?
Antonella:
— Não. Não posso. Não quero.
Toninho, eu gosto... Aliás, amo de paixão a Estefânia... E o Marcos Vinícius
captou essa mensagem. Este é o meu segredo que não contei a ele e o estou
fazendo agora, a você. Quer saber? Estou louca pra cair de corpo e alma nos
braços e abraços dela e me entregar até ver estrelinhas brilhando em pleno sol
de um meio dia radiante. Resumindo, meu amigo: a fruta que você gosta, eu chupo
até a exaustão.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo,
21-8-2020
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