“A maioria dos ministros está convencida de
que o seu dever principal é ficar contra tudo o que Bolsonaro faz”, afirma J.R.
Guzzo
J.R. Guzzo
Por ordem do Supremo Tribunal
Federal (STF), baixada pelo ministro Edson Fachin e apoiada por oito
dos seus colegas de plenário, a polícia está proibida de fazer voos de
helicóptero sobre as favelas do Rio de Janeiro e de montar operações de combate
ao crime em torno de escolas e de postos de saúde. Na prática, então, ficamos
assim: a partir de agora, os bandidos estão legalmente autorizados a circular
nessas áreas, mas os agentes que a população paga para cumprir a lei não podem
frequentar o mesmo espaço. É uma aberração, talvez única no mundo. Mas, no
Brasil, esse tipo de depravação social vai se tornando cada fez mais comum, em
consequência direta da militância política cada vez mais agressiva daquilo que
deveria ser a sua suprema corte de Justiça.
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Foto: Fábio Rodriguez Pozzebom/Agência Brasil |
A maioria dos ministros do STF está
convencida de que o seu dever principal é ficar contra tudo o que o atual
governo faz, ou pretende fazer; como o combate ao crime é um dos seus
objetivos, o tribunal toma decisões que vão na direção contrária, imaginando
com isso formar a “vanguarda da oposição” no Brasil. Pouco lhes importa o preço
que a população está pagando por isso. Paciência, dizem eles. Impedir o governo
de funcionar, na sua visão de mundo, é salvar a democracia brasileira — e
salvar a democracia, o estado de direito, as “instituições” etc., etc. é “mais
importante” que qualquer outra coisa. O resultado são anomalias como a que o
STF acaba de criar no Rio de Janeiro. O direito constitucional do cidadão a ser
defendido pelo Estado, por meio da polícia, não está em vigor nas favelas
cariocas. As únicas garantias constitucionais que o Supremo reconhece ali são
as que beneficiam os criminosos.
Não vale a pena perder mais do que 30
segundos avaliando o argumento oficial — a decisão seria para salvar os
moradores das favelas dos perigos que existem em operações policiais armadas. É
hipocrisia em estado puro. Quem coloca em risco a segurança dos cidadãos são os
criminosos, não a polícia. A ideia de que a população das favelas vive em paz e
em harmonia com os traficantes de drogas e toda a cadeia de bandidos que vem
junto com eles só existe na cabeça dos que não moram lá — intelectuais,
artistas de novela, responsáveis por telejornais do horário nobre e agora o
STF, por ser de sua conveniência política. Na vida real, o inimigo é a
bandidagem. É dali que vêm, todos os dias, a violência, os estupros, a
extorsão, o abuso das crianças, o roubo e tantos outros horrores que as
famílias têm de pagar pela ausência da autoridade e pelo governo dos
criminosos.
O crime, por decisão do STF, tem agora
direitos extraterritoriais nas favelas do Rio de Janeiro. Ali não é mais
território nacional, sujeito à lei brasileira — como acontece com as embaixadas
estrangeiras e as reservas indígenas, a autoridade pública não pode entrar. O
que o cidadão comum vai pensar disso? Os ministros não podem ficar reclamando,
depois, do fato de estarem hoje entre os homens públicos mais desmoralizados e
malquistos do Brasil. Queriam o que, agindo desse jeito? Não podem cobrar
respeito, nem “apreço pela democracia”, se o seu comportamento não pode ser
respeitado e se a democracia é isso que eles montaram aí. Já era ruim quando o
STF funcionava, e continua funcionando, como um escritório de advocacia para
corruptos capazes de pagar honorários acima dos R$ 10 milhões. Consegue ficar
ainda pior quando age abertamente como facção política.
“O STF está sendo utilizado pelos
partidos da oposição para fustigar o governo”, disse dias atrás o ministro
Marco Aurélio Mello. “Isso não é sadio. Não sei qual será o limite”. Ninguém
sabe.
Título e Texto: J. R. Guzzo, O
Estado de S. Paulo, 23-8-2020, via revista Oeste.
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