Em seu livro “O mundo como representação e vontade”, Schopenhauer
argumenta que o mundo das coisas não é o mundo real; é antes um mundo de
fenômenos, isto é: um mundo ilusório, um mundo de aparências, um mundo de
sonhos onde a dor impera.
Mas, por detrás do fenômeno do mundo ilusório existe a realidade una e
indivisível: a vontade infinita que é o princípio de tudo; é vontade irracional
que a tudo perpassa e move; é a essência de todas as coisas.
Mas, no homem essa vontade entra em conflito consigo mesma, trazendo
infelicidade e dor; pois, no homem, ela interage com o mundo ilusório dos
fenômenos onde leis necessárias - leis da natureza - determinam o curso da
vida; portanto, o homem não está de posse da plena liberdade da vontade; ele,
como também um fenômeno entre fenômenos, está sujeito às leis necessárias da
Natureza que o fazem sofrer...
Como deve o homem proceder, então, para viver em plena liberdade,
entregar-se à plena liberdade da vontade, sem o estorvo do mundo fenomênico de
aparências, onde a vontade não tem sossego, buscando incessantemente por
satisfações, pulando de galho em galho à procura de sempre novos desejos para
realizar e ser feliz?
Há uma dificuldade em tudo isso. Como se disse, o homem, como todas as
coisas, também é fenômeno, representação, regido, portanto, pela lei geral dos
fenômenos, sendo-lhe a liberdade autêntica negada ou tolhida.
Mas, há uma saída: O homem não existe só como fenômeno, pulsa nele aquela
vontade infinita que é a essência de todas as coisas, a coisa-em-si, pura
vontade que não se dobra a desejos, embora seja o ato propulsor de todos os
fenômenos, e aí incluído o homem. Quando o homem conseguir identificar-se com
essa vontade, estará de posse da liberdade plena, livre da necessidade do mundo
dos fenômenos ilusórios…
Como coisa-em-si (o númeno filosófico), a vontade infinita não está
ligada ao espaço, tempo e causalidade das coisas, e, assim, ela é livre; é
irracional e cega, não está enredada com o mundo dos fenômenos, no mundo da
causalidade.
Cabe ao homem, pois, descobrir de que maneira identificar-se ou
associar-se à vontade infinita, irracional e cega que o liberte da ilusão do
mundo dos fenômenos. E é na arte e no ascetismo que pode realizar essa proeza,
assimilando a vontade autêntica que o liberta da ilusão do mundo, desvelando-se
nele, assim, o véu de maia.
Na arte o que interessa à vontade é a ideia desvinculada do tempo e
espaço, em que não há o processo da causalidade, próprio dos fenômenos (o mundo
das causas e efeitos). A ideia é a essência universal e genérica de tudo o que
existe e é objetivada pela vontade. A arte nesse sentido é contemplação da
essência universal, da Ideia absoluta. Mas, cabe ao homem ter a genialidade
intuitiva para alcançar a liberdade da vontade, ser “o puro olho do mundo”.
A contemplação estética, pois, aliena o homem das necessidades e desejos
mundanos, interrompe a cadeia das necessidades, porque o próprio indivíduo é de
certo modo anulado.
A arte é análoga ao ascetismo; este é luta pela anulação da vontade por
desejos vinculados ao mundo ilusório e deixa despontar a pura vontade essencial
no homem, sem desejos mundanos; isto é, a vontade de não ter vontade por
necessidades; portanto, uma vontade aniquilada que nada mais deseja...
Mas, surge a pergunta: como o homem pode libertar-se da vontade
fenomênica se não é livre perante ela, se é escravo dela? Isso só pode
acontecer quando a própria vontade alcança a plena consciência de si, o claro
conhecimento do seu próprio ser.
A autonegação da vontade no homem é o produto do claro e límpido
conhecimento que a vontade tem de si própria. Isso implica de que a vida é dor
e de que a vontade de viver é o princípio da dor, porque o mundo fenomênico e transitório
não é capaz de dar tranquilidade.
Assim, desejar algo implica a ausência daquilo que desejamos. Portanto,
desejo é privação, deficiência, indigência … tudo isso causa dor. A vida
consiste no esforço de afastar a dor. Mas, esse esforço se mostra em vão no
momento em que se chega ao seu termo. Ainda mais: quando há uma calma de
desejos e de paixões caímos no tédio, talvez mais insuportável que a dor.
Então, para Schopenhauer, contrapondo-se à Leibniz, este mundo é o pior
dos mundos possíveis. E se fosse um pouco pior, não poderia mais existir. Isto
é, se é o pior mundo possível não há como piorar mais - simplesmente não
haveria essa possibilidade de se concretizar…
Está aí uma filosofia pessimista da vida... Em tempo de pandemia, nos dá
oportunidade a pensar…
P.S. Pode até ser que a vida, em certa medida, é dor e sofrimento, mas
quem quer abdicar dela? Não seria a dor que pode dar colorido à vida, sabendo
desfrutá-la como impulso a reconhecer também as dores do outro e, assim,
suscitar o sentimento do amor? Talvez seja o amor o motivo mais nobre da vida
que suplante a dor e o sofrimento, e faça a vida valer à pena...
Título e Texto: Valdemar
Habitzreuter, 25-8-2020
Colunas anteriores:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-