Partidos,
inclusive, usam candidatas de “laranjas” apenas para cumprir o determinado pela
lei eleitoral
Roberta Ramos
Quando foi lançada, em 1997, a
lei eleitoral prometia avanços e renovação nas casas legislativas
brasileiras. Entre as novidades, a obrigatoriedade para os partidos de
preencher 30% das candidaturas com vagas para mulheres. A ideia era
aumentar a presença feminina na política, até então amplamente dominada pelos
homens.
Vinte e três anos depois,
basta uma rápida olhada nas páginas da maioria das Câmaras Municipais do país
para perceber que as cotas podem até ser cumpridas pelos partidos durante os
pleitos. Contudo, a representatividade não costuma chegar, de fato, ao
pós-eleição.
Seja por não terem
expressividade, por não ganharem o suporte necessário de sua legenda ou até
mesmo por só entrarem na disputa para preencher o que determina a lei, as
mulheres, na verdade, ainda são minoria nas Câmaras Municipais e no Congresso
Nacional.
Apenas como exemplo, na
capital paulista são 55 vagas para vereador. Atualmente, apenas nove
delas, ou 16,36%, estão preenchidas por mulheres. Em Belo Horizonte, a situação
é ainda pior: de 41 cadeiras, só quatro — 9,75% — são femininas. No entanto,
segundo a última projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), as mulheres representam 52% da população brasileira.
Projeto para acabar
com a cota
A falta de representatividade real levou a deputada federal Caroline De Toni (PSL-SC)[foto] a criar um projeto de lei (PL 4213/2020) que pretende extinguir a cota por gênero. “Não podemos ter um tratamento diferente para homens e mulheres em relação a direitos políticos”, defende a deputada. “Se a maioria das mulheres não se interessa pela política, obrigá-las a concorrer não vai mudar essa realidade.”
A parlamentar avalia que mais
importante que o gênero de quem se elege são as ideias e valores levados para o
mandato.
“Diariamente, recebo centenas
de mensagens de pessoas que dizem gostar da minha atuação, a maior parte das
mensagens são de homens que dizem se sentir representados por mim, ou seja,
isso é a prova de que o que importa é a defesa das ideias, valores e princípios
e não o sexo de quem os está defendendo”, afirma Caroline.
Candidaturas de
“laranjas”
Além da representatividade
real, a questão passa por outro problema ainda mais sério: o das candidaturas
de “laranjas” ou “fantasmas”.
“Muitas siglas tentam enganar
o TSE [Tribunal Superior Eleitoral]”, comenta o professor de direito
eleitoral Bruno Oliveira. “Os partidos até registram 30% de candidaturas
femininas. No entanto, essas mulheres não fazem campanha.” Ele explica que
a suposta candidata também não recebe dinheiro nem incentivo do partido para
tentar realmente se eleger.
Em 2016, seis vereadores
eleitos na cidade de Valença (PI) foram cassados por tentar emplacar mulheres
apenas para preencher a cota legal. Eles recorreram até a última instância,
mas, em setembro de 2019, o TSE manteve a decisão.
Em São Paulo, o Tribunal
Regional Eleitoral (TRE-SP), também em 2016, cassou vereadores eleitos
pela coligação Solidariedade, Partido da Mobilização Nacional (PMN)
e Partido Republicano da Ordem Social (Pros) por, segundo a juíza
eleitoral Cláudia Lúcia Fonseca Fanucchi, ter usado a cota para
mulheres apenas com o fim de eleger mais candidatos.
Para a juíza, o “ato é
desprovido de conteúdo valorativo e sem incentivo à participação feminina na
política. A apresentação de mero espectro das candidaturas femininas configura
fraude e consequente abuso do poder com a gravidade necessária a macular a
lisura do pleito de 2016”.
“Não basta os partidos e
coligações respeitarem o mínimo previsto em lei, é preciso incentivar a
participação das mulheres na política”, conclui o professor
Oliveira.
Título e Texto: Roberta
Ramos, revista Oeste, 29-8-2020, 20h40
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