sexta-feira, 14 de agosto de 2020

[Aparecido rasga o verbo] À flor da pele

Aparecido Raimundo de Souza

DUAS AMIGAS CONVERSAM AO TELEFONE.

Amiga 1:
— Chegou ai, amiga, a encomenda que mandei pra você?

Amiga 2:
— Encomenda? Que encomenda?

Amiga 1:
— Uma lembrancinha que enviei pelos correios. Faz uma semana...

Amiga 2:
— Até agora, por aqui, não chegou nada. Tem certeza que não mandou entregar por uma dessas tartarugas ifood?

Amiga 1:
— Engraçadinha. Falo sério. Estranho! Postei com AR. Já era para estar em suas mãos... Verei depois pela Internet, no site da agência, por onde anda o bagulho...

Amiga 2:
— Bagulho? Tudo bem, querida. Não precisava se dar ao trabalho. O que vale é a intenção. O que comprou?

Amiga 1:
— Sabia que perguntaria. Como você é previsível! Não direi. É surpresa!

Amiga 2:
— Fala, sua idiota. Entre nós não deveria existir estes protocolos.

Amiga 1:
— Eu sei. Compreendo. Mas veja só. Não teria graça. Quando chegar às suas mãos, você poderá matar a curiosidade e se deleitar.

Amiga 2:
— Ao menos dê uma pista. É de usar ou de comer?

Amiga 1:
— As duas coisas. Como lhe conheço de velhos carnavais, você amará tanto que, tenho certeza, engolirá até o caroço, digo até a caixa e palitará os dentes com o barbante...

Amiga 2:
— Na mosca. Matei a charada. Claro! Que mais poderia ser? Você me mandou bombons. Sabe como sou tarada por chocolates. Realmente, amiga, neste caso, nem a embalagem escapará ilesa. Sem contar no papel do embrulho...

Amiga 1:
— Espero que não faça como da última vez em que lhe fiz uma afabilidade (coisa de mãe pra filha) e você usou o papel do presente no banheiro. Não direi nem uma palavra. Contudo, lhe asseguro: não é uma simples caixa de bombons.

Amiga 2:
— Que sacanagem! Resolveu me tirar? O que ganha tentando acabar comigo? Quer me matar? Ninguém melhor que você sabe do meu problema. Não posso ficar nervosa ou desassossegar o coração com a curiosidade. Dá uma coceira dos diabos. Lembra da derradeira crise? Cocei tanto, tanto me cocei, que você mesma teve que me levar carregada para o hospital. Ainda tem mentalizada na mente os ferimentos que provoquei por todo o corpo em decorrência de meter as unhas na pele até sangrar?

Amiga 1:
— Como poderia esquecer amiga! Foi horrível. Recordo perfeitamente de tudo. Pela nossa amizade, lhe peço: tenha calma. Respire. Conte até dez. Dissolva os problemas, afrouxe os músculos, adoce a alma.

Amiga 2:
— Como, ter calma, como relaxar, ou como adoçar a alma? A propósito: acredita que só de você falar, eu estou me coçando todinha? Dos chifres da cabeça aos sapatos enfiados nos pés. Daqui a pouco arranco os cabelos da bo... Desculpa, da perereca. A bichinha aqui embaixo parece em carne viva. Literalmente me pego ardendo em chamas... Desembucha... O que foi que me mandou? Um bombeiro com a mangueira pronta para espirrar água morna nos traseiros redondinhos da minha ofurô que adquiri da Jacuzzi?

Amiga 1
— Relaxe... Nada de bombeiro. Uau, sua sem vergonha. Você comprou uma Jacuzzi e não me disse nada? Vai ser amiga assim lá nos quintos... E depois tem coragem de me dizer que sou a única companheira para todas as horas... Sei...!

Amiga 2
— Pera ai amiga. Dá um segundo. Ai!... Comprei. E te falei. Você é que não prestou atenção. Ai, ui... Que isso! Estava no outro telefone com seu "namorido". Lembra?

Amiga 1
— O que aconteceu, o que houve? Se você falou, entrou por um ouvido e saiu pelos cotovelos. Meu "namorido" me deu um pé nos fundilhos.

Amiga 2
— A coceira... O inferno da coceira está me atacando. Estou toda empolada... Ui!!! O Gerson terminou com você?

Amiga 1
— Relaxe. Respire fundo. Vá até a cozinha e tome um copo de água com limão. É tiro e queda. Depois pule na sua banheira. O Gerson me trocou por uma de quinze.

Amiga 2
— Vai catar coquinho. Estou calma. "Calmérrima". Eita nós! Que merda! Por uma de quinze? Então ele pegou a sirigaita pra acabar de criar? Meu Deus, que droga...

Amiga 1
— O que desta vez?

Amiga 2
— A portaria resolveu me atazanar as idéias. Alguém interfonando... Aguenta ai. Vou ver quem é. Não saia da linha, não desligue... Credo, amiga. Por uma de quinze? Quem manda você não se cuidar... A ninfeta é linda?

Amiga 1
— Vai logo, vai logo... Igual a você, estou aqui me mordendo toda por dentro pra saber quem está lá embaixo lhe procurando. Será que é o meu presente que chegou? Me cuidar? Mais do que me cuido? Academia, corrida, boa alimentação, tenho até um personal trainner. Um gato, menina, um gato. Quanto a nova musa, cá entre nós, um docinho de coco. O Gersom pra mulher sempre teve gosto apurado.

CINCO MINUTOS DEPOIS:

Amiga 2
— Ai!!! Não consigo me conter... A coceira. Que diabo! Deixarei seu presente para desembrulhar mais tarde. A coceira, amiga, a droga da coceira aumentou demais... Foi a ansiedade... Você me deixou agoniada. Acho que vou... Acho que vou!!! Me fale do seu gato, digo do personal...
Amiga 1
— Vai o quê? Fala, infeliz! Esquece.

Amiga 2
— Estou a procura do álcool. Fala do gato...

Amiga 1
— Álcool para quê? Vai botar fogo nos pecados? Que gato?

Amiga 2
— Ai... Ui... Minha nossa... UF... Seu personal. Você disse que a criatura é um gato.

Amiga 1
— Fala, desembucha, o que houve? Ele é um gato. E que gato! Para que o álcool?

Amiga 2
— CLIC...

Amiga 1
— Alô... Alô... Alôaaaaaa...!!! Filha de uma égua mal agradecida: não é que desligou na minha cara!

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, Espírito Santo. 14-8-2020

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