domingo, 29 de agosto de 2010

Dilma, perdoa-me por tentares me destruir

Dilma também relê Nelson Rodrigues e espera que Serra lhe diga: “Perdoa-me por teres tentando me destruir”

Nelson Rodrigues, arte de beni

Ontem, na entrevista planejada para o Jornal Nacional, vimos a candidata do PT, Dilma Rousseff, “estender a mão” para o tucano José Serra, embora não tenha, é claro, citado o nome do adversário. De novo ao lado do deputado José Eduardo Cardozo (SP) — e, desta vez, ao lado do presidente do PT, José Eduardo Dutra —, a candidata afirmou:
“O processo eleitoral começou agora. Vamos pra rua, vamos mostrar nossas propostas. Depois das eleições, a coisa muda de figura, a gente desarma o palanque e estende a mão para quem for pessoa de boa vontade e quiser partilhar desse processo de transformação do Brasil”.
Vejam:

Analisarei todas as implicações dessa fala e a razão de ela ter sido pronunciada neste momento. Antes, quero fazer uma consideração sobre seu notável papagaio de pirata.

Faz-se grande alarde do fato de Dilma ser “mulher”, o que é apresentado como um diferencial — como se não as houvesse boas e más, competentes e incompetentes, decentes e indecentes. Vá lá. O que me pergunto é por que sempre há um homem ao lado de Dilma fazendo aquele ar de que está ali gerenciando o que ela diz, como se ela fosse incapaz de falar sozinha, de pensar sozinha, de conceder uma simples entrevista sozinha. Quase sempre, Cardozo está segurando o queixo, como a acompanhar a execução de um script. Quem é do ramo sabe: está ali para dar “segurança” a Dilma. A “mulher” que pode ser presidente do Brasil, quando não filtrada pela marquetagem de João Santana, precisa de escolta. Volto agora à sua fala.
Tentando limpar a barra
Dilma “estende” a mão a Serra — é de uma incrível arrogância fazê-lo como se já tivesse sido eleita — depois de os petistas terem estendido seus tentáculos na Receita Federal e terem ido escarafunchar o sigilo fiscal de membros do PSDB com o objetivo de fazer um dossiê contra o candidato tucano. Isto não é uma versão. É um fato. Dilma estende a mão depois de ter declarado, diante das evidências do escândalo, que tudo não passa de “desespero” do adversário;  para demonstrar que desesperado não está, ele deveria, então, ter ficado calado. Dilma estende a mão depois de seu partido ter anunciado que vai processar a vítima — ou seja, Serra! Então ficamos assim: como o PT tentou, mais uma vez, manchar a sua reputação com dossiês fajutos e como a operação não deu certo, então anuncia um processo para não perder a viagem.
E, em seguida, estende a mão.
Se a pessoa tem “boa-vontade”, aceita o convite de Dilma. Se não aceita, então boa-vontade não tem. Trata-se de uma fala estudada para tentar “sair por cima” no episódio da quebra criminosa dos sigilos de adversários políticos. Depois de negar o óbvio, de reagir com cinismo à evidência de que a turma barra-pesada está de novo na ativa, então vem o gesto generoso, que só precisa da “boa-vontade” da vítima. Sérgio Cabral, o governador do Rio, disse perdoar o jovem Leandro, o rapaz que ele chamou de “sacana e otário”. Dilma aceita, vejam que generosa, a boa-vontade de Serra.
O PT perdoa o tucano por ter tentado armar mais um dossiê contra ele. Caso Dilma venha a se eleger e caso Serra demonstra a “boa-vontade” para a qual ela o convoca,  seria o caso de ele também parafrasear Nelson Rodrigues: “Dilma, perdoa-me por tentares me destruir”.
Se há muito perderam a noção de limites, não haveria por que conservar qualquer senso de pudor.
A “boa-vontade” do PT
Ao longo de quase oito anos, o que o PT mais teve da oposição, em especial do PSDB, foi boa-vontade. Tratarei desse assunto em outros textos. Como paga, os tucanos viram sua reputação ser moída pelo petismo e seu passado ser reescrito da forma como Lula bem entendeu.
Oposição em vários estados, o PT poderia, então, ter exibido aquele comportamento maiúsculo, de “boa-vontade”. Peguemos o exemplo de São Paulo. O partido fez e faz oposição sistemática. Não distingue o que funciona do que não funciona, o que presta do que não presta! Nunca! Basta ver a campanha de Aloizio Mercadante na televisão. Lembremo-nos do comportamento do partido nas chuvas que assolaram São Paulo. Ocuparam-se mais em investir contra o governo do que em se solidarizar com aqueles que sofriam.
Ao longo de oito anos da gestão FHC, a “boa-vontade” do PT se expressou votando sistematicamente contra o governo — pouco importava a pauta.  Nem a Lei de Responsabilidade Fiscal escapou.  Esse partido da fala de Dilma não existe. Caso o PSDB vença a eleição, sabe que contará com a oposição feroz do PT — e será preciso prestar especial atenção ao risco de sabotagem com origem na máquina sindical. Caso perca, a sua única boa-vontade é exercer o papel que lhe terá dado os que nele votaram: fazer oposição.
Até porque, convenham, “fazer situação”, isso o PSDB já fez o que basta. Ou, então, que os tucanos aceitem o convite de Dilma, se ela vencer, e sejam sócios explícitos do condomínio. O Brasil já tem jabuticaba. Por que não pode ter também uma “democracia” sem oposição, não é mesmo?
Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-