quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Quando Lula afirmou que o Bolsa Família deixava o sujeito vagabundo...

Reinaldo Azevedo

O discurso em que Lula afirma que Bolsa Família deixa o sujeito vagabundo, sem vontade de plantar macaxeira!!! E a prova documental de quem foi o criador do programa


Como é mesmo? Segundo um novo Datafolha, a diferença entre Dilma e Serra oscilou para 20 pontos? Os petralhas não descansam nem de madrugada — creiam (devem ganhar bem!) — e anunciam que eu já perdi a eleição? Então eu vou lhes mostrar como me comporto em meio àqueles que já disputam o seu lugar à grama. E por que vou fazer o que segue? Por apreço à verdade. E porque, como escrevi naquele texto quanto estava em Dois Córregos, Corisco só se entrega na morte de parabelo na mão, hehe.

Ontem, na impressionante coleção de invencionices a que se entregou em cima do palanque, Lula afirmou que setores “elitistas” o criticaram por causa do Bolsa Família. Também é mentira. O único “elitista” contrário ao programa era… Lula!!! E dá para provar. Quando o Babalorixá chegou ao poder, inventou que o Brasil padecia de uma fome africana — que já havia sido superado havia duas décadas ao menos. E criou o natimorto programa Fome Zero, lembram-se? O que era mero golpe publicitário de Duda Mendonça virou estandarte do governo. Havia quatro programas de renda do governo FHC: Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação, Bolsa Escola e Bolsa Renda. Lula os juntou depois e os chamou de Bolsa Família. Isso é história. Mas, antes de fazê-lo, falou muita bobagem. E depois também.

No dia 9 de abril de 2003, com o Fome Zero empacado, Lula fez um discurso no semi-árido nordestino, na presença de Ciro Gomes, em que disse com todas as letras que acreditava que os programas que geraram o Bolsa Família levavam os assistidos à vagabundagem. Querem ler? Pois não! 

Eu, um dia desses, Ciro [Gomes, ministro da Integração Nacional], estava em Cabedelo, na Paraíba, e tinha um encontro com os trabalhadores rurais, Manoel Serra [presidente da Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura], e um deles falava assim para mim: “Lula, sabe o que está acontecendo aqui, na nossa região? O povo está acostumado a receber muita coisa de favor. Antigamente, quando chovia, o povo logo corria para plantar o seu feijão, o seu milho, a sua macaxeira, porque ele sabia que ia colher, alguns meses depois. E, agora, tem gente que já não quer mais isso porque fica esperando o ‘vale-isso’, o ‘vale-aquilo’, as coisas que o Governo criou para dar para as pessoas.” Acho que isso não contribui com as reformas estruturais que o Brasil precisa ter para que as pessoas possam viver condignamente, às custas do seu trabalho. Eu sempre disse que não há nada mais digno para um homem e para uma mulher do que levantar de manhã, trabalhar e, no final do mês ou no final da colheita, poder comer às custas do seu trabalho, às custas daquilo que produziu, às custas daquilo que plantou. Isso é o que dá dignidade. Isso é o que faz as pessoas andarem de cabeça erguida. Isso é o que faz as pessoas aprenderem a escolher melhor quem é seu candidato a vereador, a prefeito, a deputado, a senador, a governador, a presidente da República. Isso é o que motiva as pessoas a quererem aprender um pouco mais.

 Notaram a verdade de suas palavras? A convicção profunda? Então…

No dia 27 de fevereiro de 2003, Lula já tinha mudando o nome do programa Bolsa Renda, que dava R$ 60 ao assistido, para “Cartão Alimentação”. Vocês devem se lembrar da confusão que o assunto gerou: o cartão serviria só para comprar alimentos?; seria permitido ou não comprar cachaça com ele?; o beneficiado teria de retirar tudo em espécie ou poderia pegar o dinheiro e fazer o que bem entendesse?

A questão se arrastou por meses. O tal programa Fome Zero, coitado!, não saía do papel. Capa de uma edição da revista Primeira Leitura da época: “O Fome Zero não existe”. A imprensa petista chiou pra chuchu.

No dia 20 de outubro, aquele mesmo Lula que acreditava que os programas de renda do governo FHC geravam vagabundos, que não queriam mais plantar macaxeira, fez o quê?

Editou uma Medida Provisória e criou o Bolsa Família? E o que era o Bolsa Família? A reunião de todos os programas que ele atacara em um só. Assaltava o cofre dos programas alheios, afirmando ter descoberto a pólvora. O texto da MP não deixa a menor dúvida:

(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - “Bolsa Escola”, instituído pela Lei n.° 10.219, de ir de abril de 1001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - “Bolsa Alimentação”, instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás,instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.

Compreenderam? Bastaram sete meses para que o programa que impedia o trabalhador de fazer a sua rocinha virasse a salvação da lavoura de Lula. E os assistidos passariam a receber dinheiro vivo. 

Contrapartidas: que as crianças freqüentassem a escola, como  já exigia o Bolsa Escola, e que fossem vacinadas, como já exigia o Bolsa Alimentação, que cobrava também que as gestantes fizessem o pré-natal! Esse programa era do Ministério da Saúde e foi implementado por Serra.

E qual passou a ser, então, o discurso de Lula?
Ora, Lula passou a atacar aqueles que diziam que programas de renda acomodavam os plantadores de macaxeira, tornando-os vagabundos, como se aquele não fosse rigorosamente o seu próprio discurso.

No dia 23 de março de 2005, em Cuiabá, atirava contra as pessoas supostamente contrárias ao Bolsa Família. Leiam e confrontem com o que ele próprio dizia em 2003:

Eu sei que tem gente que fala: “Não, mas esse presidente está com essa política do programa Fome Zero, do Bolsa Família, isso é proselitismo, isso é esmola.” Eu sei que tem gente que fala assim. Lógico, o cidadão que toma café de manhã, almoça e janta todo santo dia, para ele Bolsa Família não significa nada, ele não precisa. E ainda mais se ele puder fazer uma crítica a mim tomando uma Coca-Cola em um bar, um uísque ou uma cerveja. Agora, tem pessoas que, se a gente não der essa ajuda, não conseguem comer as calorias e as proteínas necessárias à vida humana. E se for uma criança de antes de seis anos de idade, nós sabemos que essa criança poderá ter o seu cérebro atrofiado e nunca mais se recuperar.

Quando eu vou parar de evidenciar as mistificações de Lula? Nunca! Quanto mais “popular” ele fica, mais considero este trabalho uma obrigação moral.


Bem, bem, bem, o tucano José Serra vencia a disputa no primeiro turno, e boa parte dos escribas dava como certa a eleição de Dilma. Hoje, então, estão à beira de anunciar o resultado de suas predições, mesmo antes do pleito. Nova pesquisa Datafolha aponta uma vantagem de 20 pontos da candidata petista, que teria oscilado, na margem de erro, em relação à pesquisa de sexta, de 47% para 49%; ele, que aparecia com 30%, teria agora 29%. A pesquisa anterior do Datafolha foi feita na sexta; esta, na segunda e na terça.

O jogo não estava jogado com 17 pontos de diferença e não está com 20 — até porque, convenham, tanto faz. Mas os tucanos terão de mudar o comportamento em campo se querem tentar levar a disputa para o segundo tempo. É um momento muito delicado. O partido tem lideranças regionais importantes que têm demonstrado um comprometimento não mais do que regulamentar com a campanha. Sem um efetivo engajamento, não há saída.

O horário eleitoral na TV não responde, sozinho, pelos números, mas tem grande importância, como se nota. Não se pode dizer que a campanha de Serra seja um desastre em si, longe disso — ela até apresenta propostas! Vejam que coisa antiga em política, não é mesmo? Mas não parece adequada para o momento.

Não pensem que ignoro as dificuldades. O partido de Serra tem no seu currículo algumas das conquistas mais importantes do país, como o Plano Real, a criação dos programas ditos de transferência de renda, as privatizações, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a universalização da saúde, a universalização do ensino fundamental, a criação dos genéricos. A lista é grande. Lula fulminou essa memória ao longo de oito anos de governo. E se apropriou de tudo o que lhe parece bom. O PSDB, se notam, parece um partido sem passado. Evocá-lo seria, na prática, fazer o jogo de Lula, diz-se, já que ele reescreveu a memória dos adversários como bem quis.

Temas mais propriamente políticos, alguns deles que evidenciam falhas óbvias da gestão Lula ou escolhas perigosas para o país, também ficam fora da campanha porque, afinal, estão aí as pesquisas indicando quase 80% de popularidade e a crítica poderia sugerir uma trombada com o Demiurgo. Fica-se numa espécie de beco sem saída: criticar o governo se mostra impossível por causa de Lula, e Lula segue incólume, então, transferindo prestígio para a sua candidata. Nenhum homem público tem um currículo como o de Serra, com tantas realizações. Mas é um indivíduo contra a máquina — que nunca mentiu tanto na TV.

Isso caracteriza o problema, mas não resolve, dirá alguém. Pode ser. Mas não é menos verdade que as armas escolhidas estão se mostrando ineficientes. Tendo a considerar que é a hora de Serra se expor mais, conversar mais com o eleitor, dizer por que quer ser o presidente. E também é preciso politizar mais a campanha, expondo, com serenidade, mas com firmeza, as escolhas temerárias feitas pelo governo federal em muitas áreas. É arriscado? Claro que é. Mas não deve ser menor do que o risco de deixar o petismo a exaltar livremente os seus feitos — sobretudo o não-feito.
Reinaldo Azevedo 

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