segunda-feira, 23 de agosto de 2010

"O povo unido jamais será vencido"ou votar com consciência


Manuel O. Pina 

Esta pequena crónica vem a propósito das próximas eleições brasileiras e motivada por alguns textos que tenho recebido, alguns deles falando em “reflexões” e de que, nas eleições iriam cumprir o sagrado dever democrático de votar, mas em consciência. Vem também a propósito de um texto do jornalista Rubem Alves, em que diz que “O Povo Unido Jamais Será Vencido” lhe faz medo.

Eu, que costumo dizer que não tenho medo de nada, afinal também tenho medo disso. Porque o “povo unido” é capaz das maiores crueldades, das piores injustiças. É propenso a atitudes que não seria capaz de tomar individualmente, porque individualmente é geralmente covarde e a covardia se esconde na multidão. A multidão dos esfarrapados, dos ignorantes e dos imbecis tomará um dia o poder, nas palavras do filósofo Jean-Paul Sartre.

Sartre achava que a tomada de poder pelas massas seria uma conquista do género humano, da civilização. Mas Sartre estava enganado, porque as massas depois de tomarem o poder são manipuladas pela elite que as usou para atingir os seus objetivos. E Sartre também devia ser um grande distraído, porque não olhou para a História, que está cheia de exemplos.

As massas ficavam em delírio durante as procissões da “Sagrada Inquisição” e apinhavam-se para poder assistir ao estertor das vítimas sendo queimadas em vida.

Foram as massas que colocaram Hitler no poder, para depois serem controladas pelo nazismo estabelecido e sofrerem na pele as consequências do regime.

O mesmo aconteceu na Rússia, ao assassinarem a família imperial para depois darem origem ao regime comunista que passou a vigorar a partir de então, com várias carnificinas pelo meio e, se não limpezas étnicas, pelo menos limpezas ideológicas.

As massas tomaram o poder em Cuba, correram com o Fulgêncio Baptista e toda a máfia americana dos jogos e dos casinos. Depois o que aconteceu? Um país miserável dominado por uma elite comunista liderada pelo Fidel Castro.

As massas são responsáveis por várias carnificinas hediondas, com alguns milhões de mortos, ocorridas em países africanos após a independência.

Portanto, quanto a “povo unido jamais será vencido”, estou servido, pois estive em Angola antes e depois da independência, e estava em Lisboa quando da revolução de 1974.

Dizem-me que tudo foi necessário para se atingir a democracia, como se este sistema político fosse uma espécie de paraíso sobre a Terra. Mas não é, e a democracia tem várias faces, algumas delas ignóbeis – hoje serve essencialmente para a manutenção da exploração do homem pelo homem, a depredação da Natureza, tendo o lucro como principal objetivo.

Voltando às eleições brasileiras que se aproximam, certa vez perguntei a um amigo o que era isso de votar com consciência, e ele olhou-me espantado, talvez pela minha ignorância ao não saber o que era isso. E ele não foi capaz de explicar, deu-me uma explicação atrapalhada que não explicava coisa nenhuma.

Bem, eu não sabia o que era, e continuo sem saber o que é votar com consciência. Consciência de quê?

Para mim, que sou ignorante destas coisas políticas, e ainda bem, as pessoas votam por diversas razões, sendo que qualquer das razões tem mais a ver com os próprios interesses do que com a consciência.

Há pessoas que votam ideologicamente. Belo. São poucas, mas fieis às suas convicções ideológicas, sejam elas de esquerda, do centro ou de direita. Assumem a ideologia como uma doutrina, algo de religioso, capaz de suportar os mais ferozes revezes. Não desarmam perante as investidas adversárias, perante os melhores argumentos. Discutir argumentos políticos com elas é o mesmo que discutir com um crente evangélico – tarefa impossível.

Outras votam por simpatia, porque o candidato é bonito ou corresponde a algum arquétipo adormecido na sua mente. Gostam de o ver na televisão ou em campanhas públicas, as mulheres achando-o um “gato” e, quem sabe, talvez imaginando outras coisas, os homens identificando-se com ele.

Muitos votam por interesses próprios – com tal candidato eu posso conseguir isto e aquilo, a minha empresa pode progredir com a ajuda desse candidato, ou, este candidato promete mais ajudas, mais “bolsas”.

Há aqueles que votam por convicção, não ideológica, mas achando que com determinado candidato as coisas que eles acham essenciais na sociedade poderão começar a ser resolvidas. Estes são os crentes, acreditam na honestidade dos políticos ou, pelo menos na honestidade dos políticos em que eles acreditam.

A maioria vota por ignorância, ignorância no mais amplo sentido. Não conhece os programas políticos, nem procura informar-se. Não lê nada, quando muito a sua informação passa pelos jornais televisivos, que pouco informam. Vota em determinado candidato porque acha, ou lhe disseram que ele vai ganhar, e, portanto, gosta de votar no vencedor. Não se interessa pelos reais problemas e vota também naquele candidato ou partido que lhe ofereça mais garantias de que vai continuar a receber auxílios sem que para isso tenha que fazer qualquer esforço ou trabalhar.

Num sistema em que o voto é obrigatório, o que, em meu entender, é uma atitude antidemocrática e que fere a essência da democracia, pois não respeita o direito de alguém se abster e não querer saber de eleições para coisa nenhuma, o voto da ignorância passa a ser o voto maciço e decisivo, levando ao poder gente que, em outras circunstâncias talvez não o atingisse.

Neste aspecto o sistema americano é talvez mais inteligente. Não só o voto não é obrigatório, nem sequer é obrigatório o recenseamento eleitoral, como a eleição do presidente não é uma eleição direta, pois o presidente é eleito por representantes de cada Estado, tendo cada um dos Estados mais representantes que outros, de acordo com a sua importância e demografia.

Portanto, não existe voto com consciência ou, essa consciência é movida pelos interesses pessoais de cada um, nada tendo a ver com o interesse da sociedade.
Título e Texto: Manuel O. Pina
Colaboração: Cristina Freitas

Um comentário:

  1. O Voto obrigatório é democrático? Sim
    Não Votar é democrático? Sim é possível: falte, anule e, ou, branco e aperte o botão porque é fantástico o sistema votação eletrônica em que o "Brasil é referência mundial nesse assunto, e os acordos de cooperação firmados entre sete países da America Latina e Caribe são uma oportunidade para o Brasil transferir conhecimento. O acordo não é para ceder equipamento ou transferir softwares, mas, sim, para transferir conhecimento, pois cada país tem sua realidade”,
    Admiro toda sua sua experiência em Angola, em Portugal, mas os larápios políticos estão aí a roubar então vamos votar consciente contra a reeleição dos políticos e seus parças da putaria política brasileira. Voto pela renovação do quadro político por um pais melhor, pois que não é possível conviver sem a política.

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