João Pereira Coutinho
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Ilustração: Angelo
Abu/Folhapres
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Che Guevara morreu há 50 anos
e ainda há quem lhe conceda o benefício da dúvida. Na semana passada, recebi um
convite para um "debate" sobre Guevara e o seu legado. Pensei que era
piada. Ainda perguntei: "Vocês querem saber se ele matou muito ou
pouco?".
Ninguém riu. A ideia era mesmo
"debater". Eu estaria entre os "críticos" (muito obrigado)
e, do outro lado da mesa, estariam os apologistas. Recusei.
Aliás, quando o assunto são
psicopatas, eu recuso sempre —uma questão de respeito pela minha própria
sanidade. Nunca me passaria pela cabeça debater seriamente o Holocausto com um
negacionista. Por que motivo o comunismo seria diferente? Escutar alguém a
defender a União Soviética é tão grotesco como estar na presença de um neonazi
a defender Hitler e o Terceiro Reich.
De igual forma, também nunca
me passaria pela cabeça convencer terceiros sobre a monstruosidade do nazismo – ou a do comunismo. Como se ainda houvesse dúvidas.
Não há – e, no caso de Guevara,
o próprio deixou amplos testemunhos a comprovar a sua excelência. O culto do
ódio; a excitação do cheiro a sangue; a necessidade de um revolucionário ser
uma "máquina de matar" – o Che não enganava.
E os fuzilamentos, que ele
executou ou mandou executar, são ostentados pelo nosso Ernesto como se fossem
medalhas na farda de um general. A criminalidade de Che Guevara não é questão
de opinião. Isso seria um insulto ao próprio.
Mas há um ponto que me interessa
sobre o Che: a sua sobrevivência como símbolo. Atenção: não falo de
adolescentes retardados que desconhecem o verdadeiro Che e ostentam na camiseta
o retrato que Alberto Korda lhe tirou. A adolescência é uma fase inimputável
que, nos piores casos, pode durar uma vida inteira.
Não. Falo dos intelectuais
que, conhecendo Che Guevara e o seu "curriculum vitae", o canonizam
sem hesitar. O que leva pessoas inteligentes a aplaudir um criminoso?
O sociólogo Paul Hollander dá
uma ajuda no seu "From Benito Mussolini to Hugo Chávez - Intellectuals and
a Century of Political Hero Worship". O título, apesar de longo, é
importante.
Em primeiro lugar, porque
Hollander não discrimina entre "direita" ou "esquerda". O
totalitarismo só tem um sentido – a sepultura.
Em segundo lugar, porque não é
a natureza dos regimes que interessa ao sociólogo; é a devoção dos intelectuais
pelos "heróis" revolucionários do século.
No caso de Che, existem
explicações históricas – psicológicas.
As históricas lidam com a
Revolução Cubana de 1959, ou seja, três anos depois de Nikita Khrushchev ter
denunciado os crimes do camarada Stálin.
A desilusão foi profunda – e,
para a "nova esquerda", a União Soviética deixava de ser o farol da
humanidade. Era apenas mais um estado opressor (como os Estados Unidos, claro)
que atraiçoara a beleza do ideal marxista.
A partir da década de 1960, os
"peregrinos políticos" (expressão de outro livro famoso de Hollander)
passaram a ver o Terceiro Mundo – Cuba, China, Vietnã, Nicarágua – como o
paladino virginal da libertação do homem. Fidel Castro e o seu ajudante Che
Guevara ocuparam os papéis principais como "bons selvagens".
Mas existe um motivo
suplementar para Che palpitar no peito dos intelectuais, escreve Hollander: o
fato de ele não ser um intelectual "defeituoso".
Uma história ajuda a
compreender o adjetivo: em 1960, Sartre visitou Cuba e comoveu-se com as
confissões de Fidel. "Nunca suportei a injustiça", disse o
Comandante. Sartre concluiu que Fidel entendeu como ninguém "a inanidade
das palavras".
Tradução: não basta falar
contra o imperialismo/capitalismo/colonialismo; é preciso agir. Che Guevara,
que Sartre batizou como "o mais completo ser humano do nosso tempo",
simboliza essa totalidade. Alguém que não se fica pelas palavras – e passa aos atos.
Che Guevara é venerado porque tem sangue verdadeiro para mostrar.
É um erro afirmar que os
"intelectuais revolucionários" que admiram Che Guevara continuam a
prestar-lhe homenagem apesar da violência e do crime. Pelo contrário: a
violência e o crime estão no centro dessa homenagem.
Che sobrevive porque foi capaz
de ser o "anjo exterminador" que todos eles sonharam e não
conseguiram.
HÁ 50 ANOS, CHEGAVA AO INFERNO O GENOCIDA QUE DISSE NA ONU – “VAMOS SEGUIR FUZILANDO”
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