Vinte deputados estaduais estão na mira da
Justiça por suposto desvio de salários de assessores
Um servidor público recebe, em
média, R$ 4 mil mensais. Desse total, aproximadamente 40% do salário é
repassado ao gabinete do seu “padrinho político”, normalmente um parlamentar ou
assessor. O dinheiro acaba sendo usado, na maioria das vezes, para bancar
atividades de campanha ou custear despesas pessoais. Em resumo, essas são as
chamadas rachadinhas.
Embora ilegal, a prática faz
parte do dia a dia de assembleias legislativas e câmaras de vereadores de
praticamente todos os Estados e municípios brasileiros. Embora ilegal, ela
existe desde que surgiu o primeiro político em terras tupiniquins. Embora
ilegal, ela acontece em muito mais gabinetes do que gostariam de acreditar os
cidadãos brasileiros.
Apesar de todos os políticos
saberem que ela existe — e que sempre foi praticada —, as rachadinhas ganharam
notoriedade depois que envolveram Flávio Bolsonaro, o 01, filho do presidente
Jair Bolsonaro. Flávio é suspeito de embolsar parte do salário de seus
assessores. Para isso, supostamente contou com a ajuda do ex-policial Fabrício
Queiroz, que teria servido de operador financeiro do esquema.
Esquema na Alerj
Conforme relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) publicado há dois anos,
Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, de
forma atípica. Parte do dinheiro teria ficado com Flávio. De modo a dar
aparência lícita à quantia, o Ministério Público garante que o senador utilizou
uma loja de chocolates.
O valor é alto, sem dúvida. No
entanto, é quase cinquenta vezes menor que os R$ 49,3 milhões supostamente
desviados pelo deputado estadual André Ceciliano (PT-RJ), atual presidente da Alerj.
De acordo com a Justiça, no período de um ano, entre 2016 e 2017, quatro
assessores dele fizeram depósitos considerados incomuns. Até o momento,
entretanto, Ceciliano teve apenas os sigilos bancário e fiscal quebrados — e o
caso recebeu bem menos atenção que o de Flávio.
De acordo com o Coaf, a
segunda movimentação de dinheiro mais expressiva teria sido praticada por
funcionários e ex-funcionários do gabinete do deputado Paulo Ramos (PDT). Eles
supostamente movimentaram R$ 30,3 milhões na época. O parlamentar nega as
acusações e afirma que não tem problemas com a Justiça.
Com a medalha de bronze fica
Márcio Pacheco (PSC), ex-líder do governador afastado Wilson Witzel na Alerj. Em suma, foram identificadas
movimentações financeiras feitas por nove assessores dele, que somaram R$ 25,3
milhões. Assim como os colegas, ele afirma que não cometeu crimes e garante que
desconhece qualquer irregularidade.
Além do trio, a rachadinha na
Alerj abrange parlamentares de diversas siglas: PT, PDT, PSL, PSC, PSDB, PSB,
Psol e DEM, entre outras. Além de Flávio Bolsonaro, 20 gabinetes da assembleia
tiveram movimentações financeiras atípicas identificadas pelo Coaf. Até agora,
foram arquivadas duas ações contra os deputados Luiz Paulo (PSDB) e Tio Carlos
(Solidariedade).
As apurações do Ministério
Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) correm sob sigilo. E contam com o apoio do
Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral. Caso a Justiça
chegue a apresentar denúncia contra um deputado, caberá à Alerj decidir se abre
ou não um procedimento para cassar o mandato do parlamentar implicado em
irregularidades.
Punição
É raro um político brasileiro
ser punido em razão da prática, mas não impossível. Em julho deste ano, o
vereador de Itaúna (MG) Lacimar Cezário da Silva teve o mandato cassado por
quebra de decoro. Ele recebia parte do salário de seus assessores de gabinete,
segundo comprovou a Justiça. Contudo, responde o processo em liberdade.
Ironicamente, uma parlamentar
do Distrito Federal que pode ser processada por causa de rachadinhas é a
deputada federal Flordelis (PSD-RJ), suspeita de matar o próprio marido, conhecido
como pastor Anderson. O Ministério Público Federal encontrou indícios de que
ela também recebia parte do salário de assessores de gabinete, que incluía
familiares. O caso vai ser analisado pela Câmara.
Para Marco Aurélio Florêncio,
professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a prática
pode levar à cadeia. Isso porque, a depender do caso, é enquadrado como crime
de peculato (desvio de dinheiro público). “A punição é de dois a 12 anos de
detenção”, explicou. “Os envolvidos respondem no limite de sua culpabilidade. E
os cofres públicos têm de ser ressarcidos”.
Segundo o especialista, a
prática é comum em razão da cultura patrimonialista do Brasil, que é quando não
se difere o público do privado. “Há uma confusão entre essas duas coisas.
Muitos gestores tomam a máquina pública como se fosse sua”, observou, ao
criticar o tamanho do Estado brasileiro, que facilita casos como esses. “Há um
excesso de cargos comissionados e isso não deveria existir. O recado que se dá
à sociedade é muito ruim”, concluiu.
A mestre em Direito Econômico
pela Universidade de Brasília Izabela Patriota vai na mesma linha. Ela
acrescenta que quem pratica as rachadinhas também pode responder pelos crimes
de lavagem de dinheiro (de três a 18 anos de cadeia), corrupção ativa e passiva
(de dois a 12 anos). E afirma que os eleitores têm de dobrar a fiscalização dos
parlamentares. “A cobrança da sociedade é urgente. Da mesma forma, o
fortalecimento da imprensa e das instituições”, concluiu.
Título e Texto: Cristyan
Costa, revista Oeste, 6-9-2020, 11h30
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