sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os blogueiros assediam o regime sírio

Num desdobramento da crise no mundo árabe, os insurgentes sírios perseguidos em seu país, promovem os protestos on-line a partir do exterior.
Francisco Vianna
Em Beirute, num quarto silencioso, os dedos dos blogueiros sírios, como Rami Nakhle, dançam freneticamente sobre o teclado do computador, redigindo e enviando às suas listas de amigos em Damasco e outras cidades sírias, a massa de informações escrita e por imagens, da cadeia de TV Al-Jazeera, sobre a jornada mais sangrenta até agora da insurgência na Síria mantendo seus compatriotas a salvo das mentiras distribuídas pela imprensa estatal do regime.

Rami Nakhle, um dissidente sírio escondido em Beirute, coordena a cobertura dos protestos na Síria na sexta-feira direto de seu apartamento.
À medida que os acontecimentos ocorriam, os nomes dos usuários surgiam e repentinamente desapareciam. O Twitter estourava com provocações agitadoras e insultos cruzados. O Facebook sobrepujou o Gmail e o Skype quando Nakhle se uniu a um grupo de discussão de sírios exilados que fomentava, informava e, mais ainda, dava forma ao maior desafio já enfrentado pela família Al-Assad em suas quatro décadas no poder ditatorial na Síria.
Nakhle escrevia: “Escutem isso”, enquanto mostrava um vídeo com uma multidão cantando a exigência da queda do governo. "Isto, na Síria é inacreditável!", dizia ele a todos. Diferentemente das insurgências no Egito, na Tunísia e na Líbia, que foram televisadas para o mundo todo, na Síria ela está caracterizada pela ação de grupo de autodidatas patriotas no exílio, que enviam imagens e notícias que, embora incompletas, são esclarecedoras, e vão formando uma opinião pública subterrânea à repressão ostensiva do regime da ditadura de Al-Assad.
Há semanas um pequeno número de ativistas espalhado pelo mundo, do Oriente médio, passando pela Europa e até nos Estados Unidos, conseguem se coordenar cruzando todos os fusos horários para fazer entrar na Síria, por contrabando, centenas de celulares conectados por satélites, modems, computadores portáteis e câmeras que tanto fotografam como filmam.

Lá chegando, de todos os modos, seus compatriotas ludibriam os controles da ditadura sobre a Internet com softwares recebidos por e-mail e fazem uploads de vídeos para a rede mundial através de conexões telefônicas do tipo ‘dial-up’. Este trabalho possibilita o que até agora parecia ser impossível de ser feito.
Em 1982, a ditadura síria impôs regras severas sobre a imprensa para ocultar, por certo tempo, o massacre de pelo menos 10.000 pessoas na cidade de Hama, durante a feroz repressão sobre uma rebelião islâmica. Mas, neste fim de semana, o mundo pode testemunhar – quase em tempo real - os gritos de fúria e o pranto dos que caíam, enquanto as forças de repressão abriam fogo sobre os que acompanhavam os funerais dos mortos nas manifestações de protesto. Os ativistas fizeram cambalear o governo do presidente Bashar al-Assad, forçando-o a enfrentar a realidade de que tinha se rendido quase por completo ao discurso e à iniciativa da revolta de seus opositores, dentro e fora do país. "A atitude paranóica do governo fica cada vez mais evidente", disse Joshua Landis, professor de estudos sobre o Oriente Médio da Universidade de Oklahoma. "Estes ativistas romperam por completo o equilíbrio de poder dentro do regime, e tudo isso graças aos meios de comunicação social".
De fato, há diversas apreciações sobre a profundidade da rebelião popular em diferentes localidades e cidades, muito embora ninguém duvide que a insurgência seja real e crescente. Os ciber-ativistas sírios, no exílio, relançam slogans de unidade para uma revolta que, segundo insiste o governo, é fomentada por militantes islâmicos fundamentalistas. É até possível, mas as vozes dos manifestantes que chegam de contrabando do exterior afirmam sentir o contrário dos seguidores do ditador, entre eles a próspera elite e as amedrontadas minorias de cristãos e de seitas muçulmanas heterodoxas que não ousam contrariar o regime de Damasco.
Nakhe, de 28 anos, se encontra nesse conflito a partir de uma posição bem singular. Cheio de idealismo juvenil, em 2006 abandonou sua cidade natal e se mudou para Damasco, onde descobriu a Internet. "Um mundo totalmente novo para mim" disse, e logo ampliou seu ativismo com campanhas on-line pela libertação de presos políticos e até coisas mais cruciais, como acabar com o estado de sítio que vigora na Síria há quase trinta anos.
Adotou o pseudônimo de Malath Aumran e armou uma celeuma no Twitter e no Facebook publicando as fotos de 32 homens aprisionados pela ditadura. Em dezembro passado, a polícia secreta estava atrás dele. "Sou considerado suspeito”, disse Nakhe. Em janeiro, contrabandistas de moto o levaram numa estressante viagem até a fronteira com o Líbano, por onde escapou por pouco da polícia. "Sou um ciber-ativista - disse. E acrescentou, “enquanto puder estar conectado, vou aonde a Internet alcança".
Na sexta-feira, emagrecido e com seus olhos verdes injetados de sangue, Nakha circulou uma torrente de informações: uma conversa frenética no Skype com 15 pessoas na Síria, um vídeo clipe proveniente de Tartus, um telefonema de um amigo de Damasco, e consultas a jornalistas sobre possíveis contatos em cidades remotas do país.
Nakhe faz parte, literalmente, de uma rede que cobre todo o planeta, cujos membros incluem uma mulher sirio-americana de Chicago que simplesmente se fartou de escutar a rede de TV Al-Jazeera e de não fazer nada, e Ausama Monajed, um ativista londrino nascido em Damasco que maneja seu carro e, ao mesmo tempo, com seu computador conectado na Internet, no assento do acompanhante, dita suas opiniões por um software que converte suas palavras em texto, tanto em inglês como em sírio. Monajed calcula que haja entre 18 e 20 pessoas comprometidas a tempo integral com a coordenação e cobertura dos protestos na Síria, embora se jacte de contar com uma rede ampla de contatos que lhe permite conseguir quem o traduza do inglês para o francês às 4 da manhã. Monajed tem um contato em cada província da Síria; estes, por sua vez, têm – cada um – uma rede de pelo menos 10 pessoas. "E o regime não pode fazer nada para impedi-los", afirmou.
Muitos deles dizem contar com apoio financeiro de empresários sírios. Depois de observar, em janeiro último, o êxito do governo egípcio em bloquear o acesso à Internet e às redes de telefonia móvel, fizeram uma tentativa concertada de evitar que o mesmo ocorresse na Síria e enviaram telefones que funcionam por satélites e modems a todo o país. Ammar Abdulhamid, um ativista de Maryland, estimou que foram enviados cerca de 100 telefones por satélites, câmeras e laptops. Essa rede espontânea e improvisada permitiu coordenar as manifestações contra um governo que põe em prática as noções soviéticas ensinadas e aplicadas pelo Ministério da Informação e os comunicados de governo.
Uma página do Facebook chamada Syria Revolution, administrada no exterior, se converteu no púlpito da insurgência síria, e as declarações que são aí publicadas se constituem de fato nas políticas desta revolta.
Nakhe disse que têm instado para que as pessoas utilizem palavreado livre de conotações religiosas ou sectárias dos islamitas. "Essa gente merece a nossa preocupação", admitiu.

Uma imagem de Muhammed Radwan, um egípcio-americano que foi preso na Síria nesta última sexta-feira, como apareceu no sábado na TV estatal síria
Numa aparente tentativa de dar embasamento à alegação do governo sírio de que os protestos da semana passada resultaram de um estratagema proveniente do exterior, a ditadura síria por sua TV estatal enviou ao ar o que chamou de uma “confissão” de um egípcio-americano que foi preso pela polícia secreta em Damasco na sexta-feira.
A agência de notícias estatal síria publicou que Muhammed Radwan, um engenheiro egipcio-americano que tem trabalhado na Síria por cerca de um ano, “disse que ele visitou Israel em segredo e confessou ter recebido dinheiro do exterior em troca do envio de fotos sobre os acontecimentos de rua na Síria”. O relatório também alega que “uma pessoa que fala espanhol de Columbia” tinha contatado Radwan “porque ele vivia na Síria e tinha uma câmera equipada com telefone móvel” e lhe ofereceu pagar 100 libras egípcias (cerca de 16 dólares) por cada foto e vídeo que enviasse.
Diversos blogueiros e ativistas no Egito estão tentando atrair a atenção para a prisão de Radwan. Hossam el-Hamalaway, um jornalista e ativista, postou esta foto abaixo no seu blog mostrando seu amigo Radwan, em 29 de janeiro, depois de ter sido ferido por chumbo de cartucheira de baixo calibre disparado contra manifestantes no Cairo.
A foto de Radwan tem surgido no Twitter, e El-Hamalawy urge que seus leitores usem as redes sociais para espalhar a notícia da prisão de Radwan.
O poder sem precedente de os ativistas de longa distância enviarem suas mensagens tem criado problemas para Camille Otrakji, um blogueiro político que vive em Montreal no Canadá. Onde outros enxergam coordenação, ele vê manipulação, argumentando que a capacidade dos ativistas de manipular imagens acaba gestando uma revolta mais sectária do que nacional, e surda aos medos das minorias. “Eu considero isso uma decepção”, disse Otrakji, uma voz um tanto solitária no tumulto da Internet. “É como embrulhar um produto que não tem nada a ver com o que está dentro do embrulho. A coisa toda está sendo manipulada”. 
Título, Imagens e Texto: Francisco Vianna, 25-04-2011

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