domingo, 17 de abril de 2011

"O Governo caíu e deixou à vista um caos ainda maior do que se imaginava."

Agora já não são a Standard & Poor's, a Fitch ou a Moody's a baixarem os ratings da República e a enterrarem a credibilidade do Estado português. É a própria banca nacional que vem dar a pior classificação imaginável à dívida pública portuguesa: a recusa de financiarem o Estado. Ao fim de meses a fazerem o papel de intermediários na obtenção de financiamentos junto do Banco Central Europeu, os bancos portugueses tomaram uma decisão nunca antes vista entre nós: o fecho das torneiras ao setor público. Uma ação concertada entre os principais bancos e, aparentemente, combinada, senão mesmo exigida pelo Banco de Portugal, na sua qualidade de autoridade de supervisão.
Trata-se de uma decisão que não foi, seguramente, determinada por qualquer outro motivo que não seja puramente "técnico". Os bancos podiam estar a fazer muito dinheiro com este papel de intermediários do Estado, mas chegaram a um ponto em que começam a ter dívida pública nacional em dose excessiva e injustificada, sobretudo se atendermos ao modo como o mercado valoriza, hoje em dia, esses títulos.
Sem o "auxílio" da banca nacional, com os ratings da República a sofrerem sucessivos cortes, com os juros sobre a dívida soberana a atingirem patamares nunca antes alcançados, batendo inclusivamente a psicológica barreira dos 10%, parece que chegámos ao fim de qualquer ilusão sobre a possibilidade de resolvermos este aperto financeiro sem ajuda externa. O cerco ao Estado aperta-se, um Estado cada vez menos credível e, por isso, limitado a financiamentos de curto prazo e a juros verdadeiramente suicidários.

O setor público dos transportes também faz contas à vida, e não vê saída para o passivo de milhares de milhões de euros que o asfixia. Pior, não sabe mesmo como vai cumprir as suas responsabilidades no muito curto prazo. As declarações do presidente do Metro do Porto, obrigado a vir a público afirmar que não sabe onde irá arranjar o dinheiro necessário para pagar os salários deste mês, são apenas um sinal do sufoco que estarão a viver outras empresas do setor público, igualmente dependentes de garantias do Estado - que hoje nada valem - para conseguirem do mercado a liquidez de que necessitam para funcionar. A declaração da administração do Metro do Porto, a contas com um empréstimo de 100 milhões de euros, é, aliás, bem reveladora dos tempos que vivemos. Pode não ter dinheiro para pagar salários já este mês, mas, segundo o ministro das Obras Públicas, apanhado de "surpresa" por esta revelação - facto que é, ele próprio, surpreendente -, a empresa tinha pedido luz verde para arrancar com a segunda fase de expansão da rede, o que agravaria o seu já elevado endividamento. Um caso paradigmático de projeto público, que vale por si próprio, mas que mostra, também, os riscos que hoje corremos. A questão é que toda a gente consegue viver em situação de dívida... até ao momento em que o dinheiro para de correr. Nessa altura, todos os maus hábitos se pagam caro. E até mesmo os bons projetos podem ruir.
E entre bons e maus exemplos, estão já a ser apanhadas por este turbilhão várias - muitas - autarquias locais. Mesmo algumas das que se encontram pouco dependentes de transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro, que chegam ao poder local com cada vez maior dificuldade, precisam de encontrar dinheiro no mercado para manterem os serviços a funcionar. É já certo que muitos dos serviços prestados às comunidades pelo poder local vão acabar. E alguns deles são insubstituíveis e mais necessários que nunca, os de natureza social.
O cenário de caos está montado. Esta decisão da banca foi apenas mais uma etapa, a etapa fatal, de um processo que começou a ganhar volume há meses e que acabou por ganhar uma dinâmica que o Governo não conseguiu inverter. É necessária e urgente uma ajuda externa, por forma a evitar ruturas no pagamento de salários, a entrada do País numa espiral interminável de incumprimentos e a queda da banca, último reduto do funcionamento da economia. Defendi, durante muito tempo, os esforços para evitar o recurso à ajuda externa. Mas foi também há já muito tempo que afirmei que tínhamos chegado a um ponto de viragem, e que estávamos a pagar juros demasiado altos, e a empenhar o nosso futuro de forma insustentável, apenas para manter um Governo no ativo. Ora, esse Governo caiu e deixou à vista um caos ainda maior do que se imaginava.
Sócrates continua a recusar o óbvio - e, para que não fiquem quaisquer dúvidas sobre o seu estado de espírito, voltou a afirmar que o TGV avança, caso ele ganhe as próximas eleições. Mas será possível que toda a gente do PS - os tais mais de 97% que o confirmaram nas diretas - esteja no mesmo registo de alienação?
Alinho, mentalmente, os rostos de vários dirigentes do PS que muito respeito. Ainda alimentarão tais fantasias? Pior, como é possível que contribuam para alimentar esse tipo de ilusões?
Pedro Camacho, revista Visão, nº 944, 07 a 13 de abril de 2011

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