domingo, 17 de abril de 2011

Portugal: "Em breve, teremos de assumir o nosso terceiro-mundismo."

Podem ter-nos tirado da barraca. Mas será que a tiraram de nós?
Sejam quais forem as consequências do pedido de resgate que Portugal, previsivelmente, fará, às instâncias internacionais, o País, e todos nós, devemos repensar a nossa vida. E se, de repente, ficássemos numa espécie de limbo entre a Europa e o Portugal dos nossos pais e avós? Corre-se esse risco. Objetivamente, e olhando para o exemplo da Grécia e da Irlanda, a população portuguesa deixará de viver segundo padrões europeus. Ai ele é isso? Então, a resposta (em nome da sobrevivência) poderá ser a de deixarmos de nos comportar como tal. Na verdade, sairemos do "clube dos ricos". Em breve, teremos de assumir o nosso terceiro-mundismo. Podem ter-nos tirado da barraca. Mas será que a tiraram de nós?
Fomos nós os principais culpados da situação a que chegámos. Mas foi, também, a Europa, a sua falta de solidariedade com os seus mais fracos, que nos deixou cair. A Europa impôs-nos um conjunto cada vez mais apertado de regras. Dispensávamos a maioria. Outras, bem pensadas, ideais para ricos, tornam-se, objetivamente, antieconómicas, quando os países empobrecem. Do calibre da fruta às exigências relativas ao funcionamento de um restaurante. Virá o tempo em que uma família, para sobreviver, terá de vender cachorros quentes no seu vão de escada. Em que o cidadão com jeito para a bricolage ganhará a vida a montar interruptores manhosos. Em que os produtores venderão a sua aguardente feita em casa, ou o seu enchido de fumeiro não certificado. Em que um mecânico de esquina poderá fabricar, e montar, com as suas próprias mãos, um tubo de escape. E em que teremos de nos sujeitar a viajar em autoestradas com menos manutenção, sem estações de serviço de tantos em tantos quilómetros, sem refletores no separador central - ou mesmo sem separador central -, mas gratuitas.

Caminhamos para a regressão? A penúria fará de nós um país menos seguro, menos certificado, menos europeu? Mas é isso ou a fome. Talvez tenhamos de repensar a ASAE, a Inspeção Periódica de veículos, os parques infantis alcatifados. Talvez nos espere um país onde cada um seja livre de inventar uma forma de ganhar a vida, vendendo, no mercado, animais vivos, transportando passageiros em carrinhas velhas, transacionando os ovos das suas galinhas de quintal, sem a medida xis pê tê ó que Bruxelas exige. Vamos morrer mais facilmente, ter mais acidentes e menos assistência. Azar. Cedo descobriremos se, ao menos, ainda sabemos apelar para o "desenrascanço" que sempre nos safou, deixando-nos de mariquices europeias.
Foto: AD
Ou, então, começamos a trabalhar. Libertamo-nos da dependência do Estado. Tornamo-nos empreendedores e deixamos de culpar os governos pelos nossos fracassos. Metemos na cabeça o que é isso de "bens transacionáveis". Definimos, nós próprios, os nossos clusters - o vinho, o azeite, o turismo, a alta tecnologia, o mar, a cortiça, o calçado, as energias renováveis - e exportamos a sério, sem esperar por incentivos. Deixamos que um Governo corajoso reforme a Justiça, e corte com os abusos nas prestações sociais. Pomos a geração "à rasca" a criar emprego, em vez de o exigir ou contar com ele. Daqui a uns dez anos, voltaremos a ser europeus. Mas, nessa altura, por direito próprio e não por outorga de um eurocrata qualquer. Mesmo que se chame Jacques Delors.
Filipe Luís, revista Visão, nº 944, 07 a 13-04-2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-