sábado, 23 de abril de 2011

A eleição do intendente

Não sei o que é mais humilhante: se a bancarrota em si própria, se a sujeição total e absoluta a um caminho que não se escolheu
Criação: blogue "wehavekaosinthegarden.blogspot.com"
1. Esta eleição vai ser mesmo sui generis. O normal é haver programas (embora todos saibamos como são cada vez mais enganadores) que nos criam a ilusão de uma escolha, de uma espécie de começar de novo, redentor e capaz de lavar tudo o que estava mal e nos fazia mal enquanto povo. Também é normal escolher o líder que julgamos ser o melhor para conduzir o País num determinado momento e, mal ou bem, há sempre um debate mais ou menos acalorado, no qual é suposto descortinar diferenças e avaliar personalidades. Desta vez, nada vai ser assim. Vamos ter candidatos a primeiro-ministro, mas nenhum deles será líder. Teremos, certamente, o debate mais feroz de todos os tempos, mas incapaz de estabelecer diferenças programáticas reais e não teremos qualquer hipótese de discutir um programa, porque esse programa já estará decidido antes de metermos o nosso voto na urna. Ou seja, no final de maio, quando começar formalmente a campanha eleitoral, União Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e PS, PSD e CDS já terão assinado o pacote de malfeitorias a aceitar em troca da "ajuda" para evitar a bancarrota do País. Aos eleitores não restará nada se não eleger um intendente para executar o pacote e quedar-se pelo debate mesquinho em torno da fulanização e da culpa. Não sei o que é mais humilhante: se a bancarrota em si própria, se a sujeição total e absoluta de um povo que vive em democracia a um caminho que não teve qualquer oportunidade de escolher.

Mas nem esta evidência faz com que os partidos do chamado "arco da governação", todos com responsabilidades pela presente situação - e o PS, no Governo há seis anos, é o mais alto responsável -, controlem os seus instintos mais mesquinhos. Os três, de uma forma ou de outra, querem fazer passar a mensagem de que o próximo Governo tem margem de manobra para negociar a política económica e social do País. É mentira! Pelo menos nos próximos três anos, o Governo vai ser regido pela "agenda neoliberal" de uma troika que inclui o FMI, instituição com a qual o engenheiro Sócrates jurou nunca alinhar... antes de mudar de ideias. Portanto, a realidade é só uma: quem quer que vá para o Governo terá como único programa impor um rol de pesados sacrifícios aos portugueses. Se esse pacote tivesse agregado um conjunto sério de medidas para combater a corrupção, o tráfico de influências, a fraude e evasão fiscal, os jobs for the boys - ao menos, podíamos sempre dizer que tinha valido a pena.
Áurea Sampaio, Visão, nº 945, de 14 a 20-04-2011

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