sábado, 23 de abril de 2011

Para além da guerra - A intervenção atual não é suficiente para fazer cair Kadhafi

O editorial sobre a Líbia, que os presidentes dos EUA e da França, mais o primeiro-ministro britânico, publicaram há uns dias não tem merecido a atenção que deveria. Na minha leitura, trata-se de uma maneira moderna, bem embalada num conjunto de motivos nobres, de fazer o que os grandes Estados sempre fizeram: impor ultimatos e declarar a guerra.
Estamos, no entanto, perante apostas de alto risco. Houve, no passado recente, outros ultimatos, nem sempre bem-sucedidos. Lembro-me, depois da farsa eleitoral de 2002, que Blair e outros europeus deram um prazo a Mugabe, para que deixasse o poder. A verdade é que o velho ditador continua a dar cartas. As nações ocidentais acabaram por ter de encontrar uma plataforma de acomodação com o regime. Receio que o mesmo venha a acontecer com o Coronel. Não creio ser possível sustentar a operação da NATO por muito tempo. Por outro lado, a intervenção atual não é suficiente para o fazer cair. Para tal, seria necessário destacar tropas estrangeiras para o terreno, uma hipótese impensável
Fico com a impressão de que a posição dos três líderes é de consumo corrente, para eleitor ver e pouco mais. Ou seja, como se tornou hábito, fazem-se grandes declarações, hoje, na base de princípios humanitários, sem uma estratégia para amanhã. É a política em alta velocidade e de memória curta.

Quem não entende esta maneira de fazer é Aznar. Na conferência que acaba de pronunciar na Universidade de Columbia, o antigo primeiro-ministro espanhol refere-se a Kadhafi como sendo um amigo do Ocidente. Acha, por isso, que atacar o homem de Trípoli é um erro. Aznar mostra viver em tempos idos, quando os ditadores eram poupados, por serem aliados do Ocidente. Hoje, com as redes de comunicação social a fazer pressão, nenhum líder ousa invocar esse tipo de argumentos. Como se pode ver na peça assinada por Obama, Sarkozy e Cameron, a argumentação assenta, agora, na referência às Nações Unidas e a valores universais.
Afora o imediato, interessa saber qual será o impacto das transformações políticas que estão a decorrer no mundo árabe sobre as relações internacionais. E, no nosso caso, sobre o relacionamento da Europa com os países da margem Sul do Mediterrâneo. Já começou, nas instituições europeias, um início de reflexão sobre o assunto. O Conselho da Europa, através do Centro Norte-Sul, deverá organizar um fórum internacional sobre a matéria, em Lisboa, nos inícios de Novembro.
Convém aprofundar esta reflexão sobre o futuro. Haverá que pensar em termos políticos, bem como de desenvolvimento e de diálogo entre culturas.
Do ponto de vista político, as questões mais salientes têm que ver com o futuro da Palestina, a segurança de Israel, a normalização das relações com o Irão e o acompanhamento da transição democrática da região. Que papel deve a Europa desempenhar em cada uma destas áreas? E que mudanças de atitude, na maneira de ver o vizinho Sul, deverão ter lugar? Quanto ao desenvolvimento, penso que é contraproducente falar de um Plano Marshall, financiado pelo exterior. O repto é o de canalizar os enormes recursos existentes na região. Para diversificar as economias, investir na formação profissional e no emprego, preparar a fase pós-petróleo. A emigração será certamente um tema central, mas que não se resume à multiplicação dos guarda-fronteiras. Quanto ao diálogo entre culturas, o objetivo é promover a liberdade de expressão, incluindo a religiosa, e combater os preconceitos.
Como diria o outro, há muita matéria em que pensar, para além da guerra.
Victor Ângelo, Visão, 20-04-2011
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