sábado, 18 de junho de 2011

Passos Coelho, o vizinho de Massamá

Café e Gelataria "Momentus", Massamá, 18-06-2011. Foto: JP

No café de Passos Coelho, já há os que querem o lugar dele
Os vizinhos do primeiro-ministro explicam porque é que quem vive em Massamá não se muda para Lisboa

O que leva um homem que podia viver no centro de Lisboa a querer continuar na periferia? Ainda por cima quando não se trata de um subúrbio qualquer. É um inferno em hora de ponta para os que atravessam todas as manhãs o IC19, uma pobreza franciscana para quem sai à noite e não vê vivalma, um desalento para quem olha ao redor e só encontra torres de apartamentos a trepar para o céu. Massamá, freguesia de Queluz, concelho de Sintra, é a partir de agora a residência oficial do novo primeiro-ministro de Portugal.

Pedro Passos Coelho vive ali desde o início desta década e por ali vai continuar, como já garantiu em entrevista ao "Financial Times". Podia trocar de casa, ter um jardim com lagos, patos e pavões em São Bento, mas o chefe do próximo executivo prefere ser suburbano. O primeiro entre os primeiros-ministros que já governaram em Portugal. Mais um entre os 30 mil suburbanos com os quais partilha a vizinhança.

Se calhar é o anonimato que o seduz. Mas já nem isso é verdade. Esteve incógnito até certa altura. Até ser eleito líder dos sociais-democratas. Era um homem simples e bem-educado, como muitos outros que moram no seu bairro. Que ao sábado de manhã descia do seu 5º andar e tomava o pequeno-almoço no Momentus, ao lado do seu prédio - uma napolitana e um leite Vigor simples. Sempre o mesmo, sem variar.

Aos dias de semana, só um café rápido ao balcão, bom dia, um aceno, mais um sorriso e entrava no carro. Ninguém mais lhe punha a vista em cima. Voltava à noite, mas a essa hora já o seu bairro está enfiado em casa, a ver televisão no sofá da sala. Depois de ganhar as legislativas continua a frequentar o café de sempre. Diz bom dia como antes e sorri a Franciely e Viviane, as duas baianas que lhe servem o pequeno-almoço. Só que agora todos lhe querem apertar a mão, fazer perguntas, cercando-o como se fosse o maior orgulho de Massamá.

E quando nem sequer está por perto há uns quantos curiosos que entram no Momentus à procura dele. É aqui o café do Passos Coelho? Onde é que ele se costuma sentar? Sentam-se no lugar dele. Tiram fotos e tudo. O café é o novo ponto turístico. O único, porque, a bem dizer, o chafariz do tempo dos árabes (património histórico massamense) nunca passou de um ex-líbris sem grande interesse para a maioria dos habitantes.

Chafariz, foto: Junta de Freguesia de Massamá
O ilustre morador
Agora sim. Os que vivem em Massamá têm um ilustre morador. Com tudo o que isso possa ter de injusto para António de Spínola, que ali viveu antes de se tornar Presidente da República - mas quem é que sabia disso? Os vizinhos de Pedro Passos Coelho têm um vizinho que é primeiro-ministro, mas que é igual a eles. Ou parece, pelo menos. Usa o bairro para dormir. Comprou um apartamento na periferia e trabalha na capital. Deixa o prédio pela manhã e só volta a enfiar a chave na porta ao fim do dia. Não tem tempo para fazer vida de bairro ou sequer para se dar conta de que por detrás de um dormitório existe um microcosmos a pulsar de rotinas.

Fachada do edifício onde reside PPC, Massamá, 18-06-2011. Foto: JP

Massamá feliz
Há cabeleireiros, há clínicas médicas, há cafés temáticos, há restaurantes mexicanos, japoneses, italianos, há ginásios e spas, supermercados de todas as grandes cadeias. Por fim, bastará dizer que há também dois centros comerciais para se concluir que Massamá tem tudo para ser feliz. Só não sabe disso quem tem de sair às oito da manhã, apanhar o comboio para Lisboa e regressar à noite.

Maria da Conceição, 66 anos, fez isso até há pouco tempo. Há três anos aposentou--se como administrativa da Polícia de Segurança Pública. E foi assim que descobriu um bairro que nem sempre está a dormir ou a trabalhar. Os vizinhos são caseiros, mas não tanto. Saem ao anoitecer, depois do trabalho. Vão ao ginásio antes do jantar. Tomam café nas esplanadas depois de jantar. De dia há sempre movimento. Entra e sai nos cafés, nas papelarias, nos supermercados, nos bancos.

Toda a gente que mora em Massamá gosta de Massamá. Mesmo os que tiveram de sair, como Jaime Fragoso, electricista, 53 anos, desempregado. Mudou-se há um ano para o Monte Abraão, ali ao lado. Regressa todos os dias, como se ainda ali morasse. É ali que estão os amigos. Pois, se foram seus amigos ao longo destes 23 anos, não é porque se foi embora que deixavam de ser.

São os mesmos quarentões e cinquentões que todos os dias se encostam ao balcão do Estrela da Milherada. A tarde inteira. Rodeados de mínis cheias e vazias. Sem trabalho e com tempo a mais para ocupar. Só chegam ao início da tarde. Pela manhã, bem cedo, o café de Adelaide Abreu pertence às mulheres-a-dias que limpam as clínicas, os apartamentos, as agências bancárias. Tomam o pequeno-almoço, tagarelam, trocam coscuvilhices das patroas e vão trabalhar.

E há ainda os que não vivem em Massamá mas estão convencidos de que vivem. Que gostavam de morar em Massamá, mas habitam na freguesia de Belas. São os moradores a viver em Massamá Norte, com o código postal da freguesia vizinha. É uma guerra antiga, com direito a petição, mas que ainda não deu em nada - tem o mesmo nome e portanto é Massamá e não se fala mais nisso.

A fronteira Massamá Norte fica mais acima e traça a fronteira entre os que têm tudo e os que ficaram sem nada. Do lado de Pedro Passos Coelho estão as escolas, o comércio, a unidade de saúde ou o parque urbano, essa zona verde que é o único ponto de encontro entre Massamá Centro e Massamá Norte.

Se lá em baixo, onde mora o primeiro-ministro, é sossegado, cá em cima é o "coma profundo", o dormitório na verdadeira dimensão da palavra. Viver no dormitório não significa ser infeliz. Dina, Sónia, Susana, Bruna, Sandra, Muriela conhecem-se todas. Quando o horário delas coincide, vão juntas ao parque urbano, ao anoitecer. Vão correr ou fingir que correm, que é mais a galhofa que o exercício físico. Conhecem-se desde pequenas e é disso que um bairro é feito.

É feito de cachupas e de muambas na casa dos vizinhos; de noites de copos em Lisboa, que Massamá não foi feita para isso, de idas ao shopping, com ou sem compras; de festas privadas. A mulher do primeiro-ministro, Laura, já por lá passou, a convite da empregada. O motorista também. Já só falta mesmo o próprio do primeiro-ministro. Agora, com novas funções, tão cedo não vai poder experimentar uma boa cachupa.
Kátia Catulo, jornal “i”, 18 de Junho de 2011

Cachupa, foto: Xandu
Café e Gelataria "Momentus", Massamá, 18-06-2011. Foto: JP
Rua da Milharada, Massamá, 18-06-2011. Foto: JP

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3 comentários:

  1. Jim, vc é chiquérrimo!!!

    circe

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  2. Digitando a matéria do "Público", de domingo, 19-06-2011, "Um primeiro-ministro que vive no subúrbio pode fazer a diferença?". Amanhã estará aqui no blogue.

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