Americanos começam a viajar
para Cuba e constatam que a situação da ilha é pior do que pensavam.
Francisco Vianna
Por mais de 40 anos o turismo
estadunidense em Cuba esteve bloqueado por uma proibição de se viajar à ilha
por parte de Washington que vigora desde a década de 1960. Basicamente, o fato
impediu que Havana faturasse os dólares de americanos dispostos a gastá-los
numa das ilhas mais fascinantes e atraentes do mundo em termos de belezas
naturais.
Durante esse tempo, raros
norte-americanos conseguiram saborear a exótica cozinha insular, que combina o
alho, o cominho, e o orégano em seus temperos das empadas cubanas, ou desfrutar
o café da ilha que não difere em nada do brasileiro.
Com a flexibilização tanto por
parte de Havana quanto por parte do governo Obama, 2013 foi um ano que, de
fato, muitos cubano-americanos puderam visitar a ilha, bem como alguns
insulares puderam ir à Flórida visitar seus parentes.
Entre os estadunidenses que
foram a Cuba, muitos eram estudantes de 17 a 21 anos, integrantes de programas
de estudo e pesquisas escolares e universitárias. Essa moçada teve oportunidade
de interagir com botânicos, professores e médicos da ilha e ver de perto a
relação custo-benefício do sistema social (político e econômico) implantado na
ilha desde a deposição do antigo ditador Fulgencio Batista. Isso teve uma
importância ímpar na carreira desses estudantes que chegaram ao país caribenho
fazendo uma ideia do que se passava na ilha bem diferente do que ocorre na
realidade.
A experiência desses
visitantes estadunidenses ajudou a desfazer mitos e a corrigir algumas noções
errôneas que os jovens tinham sobre o suposto “ódio dos cubanos aos EUA”, entre
outras ideias plantadas pela propaganda marxista. “Não imaginava que os cubanos
pudessem ou estivessem dispostos a falar e interagir conosco, mas a quase
totalidade deles se mostravam felizes de fazê-lo”, era o comentário geral entre
os visitantes do norte. “Creio que o simples ato de falar livremente conosco
dava aos locais a sensação de que as coisas pudessem estar mudando por lá; e
mudança é o grande anseio que qualquer estrangeiro sente da parte deles”.
As dificuldades que esses
visitantes encontraram foram as mesmas que os cubanos enfrentam todos os dias,
com a vantagem de terem dólares para gastar – o que pareciam ser milionários
para os locais – e a desvantagem de que a grande maioria deles não falava o
espanhol, o que os deixava um tanto perdidos em Havana.
Um grupo, no entanto, ficou
muito surpreso quando uma família local dele se aproximou falando em inglês e
em questão de minutos estavam numa conversa interminável sobre a sua vida
diária na ilha. “Falaram de sua cultura, dos locais onde trabalham, das escolas
frequentadas por seus filhos, e demonstraram sempre a preocupação de que nós,
visitantes, pudéssemos desfrutar da parte que julgavam boa de seu país, as
belezas naturais”, relatou um dos membros desse grupo. Esse grupo de estudantes
viajou sob os auspícios do programa “BreakAways” (vencendo barreiras) do
Colégio Illinois, uma universidade de artes liberais de Jacksonville, numa
excursão à Cuba sob a chefia de professores como programa de férias da
instituição estadunidense de ensino.
O programa visa levar ao
estudante a condição de desenvolver uma perspectiva diferente sobre como o
mundo funciona, segundo Steven Gardner, um professor de espanhol e um dos
organizadores da viagem. “Ora, Cuba está a apenas 90 milhas (145 km) dos EUA,
mas, provavelmente, é a cultura que menos os norte-americanos conhecem, devido
a décadas de isolamento social. O que nós sabemos da ilha vem sempre com um
forte teor ideológico e político de ambos os países”, acrescentou. “Achamos que
seria importante deixar que nossos estudantes conhecessem de perto a pobre
sociedade cubana e assim pudessem tirar suas conclusões livremente a partir de
uma vivência real e sem interferência de terceiros”.
Para tanto, os estudantes estiveram
observando o sistema de saúde local, visitando consultórios médicos e
hospitais. Estiveram também em creches e escolas para sentir a que ponto ia o
cuidado com as crianças e adolescentes em Havana. “Infelizmente”, disseram, “o
turismo em Cuba ainda é orientado pelo estado e o turista não pode viajar
livremente pela ilha, mas se ater a roteiros pré-estabelecidos, o que ainda
dificulta se ter uma noção da realidade de cidades e vilas do interior”.
A viagem, por outro lado, teve
a intenção de dar aos estudantes a oportunidade de estudar temas relacionados
com suas metas profissionais e poder comparar o que aprenderam com suas
próprias realidades, além de melhorar seus níveis de cultura geral, o que tem
sido um problema sensível nos EUA. “Os americanos têm vivido voltados quase que
exclusivamente para o seu próprio país e pouco têm se interessado no que ocorre
no resto do mundo, principalmente quanto à juventude atual”, explicou um
professor.
A psicopedagoga do grupo, a
Dra. Rellinger-Zettler, disse que “do ponto de vista psicológico, Cuba tem uma
cultura muito interessante para os americanos pelo fato de não só apresentar
diferenças com relação à vida familiar e entre suas identidades culturais como
também por sua política de estado de oferecer educação e atenção à saúde a
todas as pessoas do povo, embora tal meta esteja longe de ser atingida
satisfatória e dignamente”.
O nível de pobreza encontrado
em Havana foi comparável ao existente em Porto Príncipe, a capital do Haiti.
Pouquíssimas pessoas têm carros e, a miúdo, a espera por um táxi ou um
transporte coletivo – sempre apinhado de gente – pode levar horas, o que
dificulta uma simples ida ao supermercado. A atenção médica, digamos ‘trivial’,
é, no entanto satisfatória para todos. A coisa se complica quando o caso sai da
‘trivialidade’ e o atendimento ainda deixa muito a desejar para os casos de
idosos aposentados.
“De qualquer modo, os
estudantes puderam avaliar um sistema de saúde que, com todas as deficiências
às quais não estão acostumados, mesmo assim funciona com recursos limitados”,
afirmou o professor Gardner.
Os estudantes americanos
comiam pratos típicos em restaurantes administrados pelo estado. De vez em
quando iam comer nos “paladares”, como se chamam os restaurantes que funcionam
em casas particulares, e pagos em dólares, naturalmente, o que os tornam fora
do alcance da maioria da população.
O que se fartaram de ver em
Cuba foi a quantidade de músicos e artistas que atuam em troca de gorjetas. “Em
quase todos os restaurantes havia alguém que tocava bongôs, cantava e dançava a
salsa ou a rumba”, disse um professor. Até hoje os estudantes têm dúvidas
quanto à autenticidade da alegria exibida por muitos cubanos e não sabem ainda
se ela é a manifestação de um sentimento autêntico ou uma espécie de disfarce
ou alter ego exibido para esconder
uma dura realidade...
Com a volta do grupo aos EUA,
ficou a certeza por parte do corpo docente que a viagem foi muito proveitosa
para mudar a forma de ver a vida dos estudantes. “Essa mudança de visão tem o
efeito de provocar no estudante uma valorização de toda a riqueza que dispõem e
que corriqueiramente estavam acostumados a não dar a devida importância. Mas a
grande lição fica por conta da certeza evidente de que um país não pode ter
tudo o que os americanos têm por via de construção, geração e distribuição de
riqueza através do estado”, completou.
Todos parecem, por outro lado,
ter voltado às suas casas com uma forte convicção: a de que não viveriam num
país como Cuba...
Título e Texto: Francisco Vianna, 04-02-2014
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