Reinaldo Azevedo
A jornalista Rachel
Sheherazade foi mandada para um poste moral por conta de um comentário que fez
quando um menor que costuma praticar roubos foi atado por moradores a um poste
com uma tranca de bicicleta. Já escrevi a respeito e deixei claro que não
concordo com boa parte da abordagem que ela fez. Mas parte da sua observação
era e é procedente. Quando afirmou ser “compreensível” que moradores tomem suas
próprias medidas, não quis dizer que é desejável, que o caminho é esse.
Fizeram, evidentemente, uma superinterpretação de sua fala porque a consideram
ideologicamente incômoda.
Muito bem! O mesmo menor
voltou a delinquir e voltou a apanhar. Vocês sabem a mania que tem esse povo
cruel de não gostar de ser assaltado, né? Pô! As vítimas desses “dimenores” têm
de entender que estão apenas dando a sua cota a uma política informal de
distribuição de renda, poxa! Mais: existe luta de classes, como todos sabemos,
e os assaltados integram o grupo dos bandidos; os assaltantes é que são os
verdadeiros mocinhos. Como é que ninguém percebe isso?
Reproduzo, em vermelho, trecho
da reportagem
de Leslie Leitão, na VEJA.com. Volto em seguida:
O jovem assaltou, com outros
quatro rapazes, uma turista canadense na Avenida Atlântica. Em seguida, o bando
tentou roubar os pertences de um turista inglês. Esta vítima, no entanto,
reagiu, e correu atrás dos garotos. Um grupo de pessoas que presenciava a cena
decidiu cercar os fugitivos, mas só conseguiu deter dois deles.
Começou, então, uma sequência
de tapas. Sentindo-se acuado, o menor que ficou preso pela tranca no início do
mês lançou mão da fama que angariou naquele episódio: “Eu sou o do poste! Parem
de bater”, gritou.
E, de fato, as agressões
cessaram. Os dois jovens foram mantidos no local até a chegada da Polícia
Militar. E, novamente, na delegacia, o jovem do episódio do poste voltou a se
identificar como tal, para se proteger de agressões: “Você sabe com quem está
falando? Eu sou o menor da tranca”, disse, aos policiais.
Voltei
Se há dote que bandido de
qualquer idade ou classe social tem é o de aprender com a experiência. É
evidente que o “Dimenor” percebeu que virou uma celebridade. Tive informações
de que, talvez, ele seja portador de um déficit intelectual importante —
hipótese que tem de ser investigada e que deve, então, merecer a devida
resposta do Estado —, mas a agilidade com que ele apelou ao “sabe com quem está
falando?” sugere o contrário. Não estou afirmando, mas fazendo uma conjectura.
A fala do rapaz ao ser preso,
mais uma vez, evidencia como aquele episódio distorceu a verdade dos fatos.
Apegaram-se mais ao simbolismo piegas do que à realidade. Sintetizo o espírito
de certas intervenções:
“É a imagem de um país que
cultivou a escravidão por mais de 300 anos! “
“Não fosse um negro, não
fariam isso”.
“Eis mais uma prova de
racismo”.
“É o povo brasileiro que está
no tronco”.
Quanta bobagem!
Quanta vigarice!
Quanta conversa mole!
Até parece que brancos não são
linchados todos os dias Brasil afora. O Youtube traz uma penca de horrores. Até
parece que fazer justiça com as próprias mãos é algo assim tão raro num país em
que há mais de 50 mil homicídios por ano — sem que se saiba, na esmagadora
maioria das vezes, a autoria.
Amarrar bandidos em poste
resolve alguma coisa? Não! Torna ainda pior o que é ruim, mas é evidente que
não é possível criminalizar, por princípio, a sociedade que reage. É preciso
coibir, sim, a justiça feita pelas próprias mãos, mas é preciso compreender,
então, a natureza do fato.
O rapaz atado ao poste não era
expressão de racismo, da crueldade com que são tratados os pobres, da
perversidade das elites, nada disso! Até porque, atenção!, ESSES JUSTIÇAMENTOS
SÃO FEITOS POR POBRES — a esmagadora maioria de pobres que decide trabalhar,
que decide estudar, que decide ganhar a vida honestamente. Um país em que o
rendimento médio do trabalhador é pouco superior a R$ 1.900 — você que me lê:
tente morar com isso, pagar escola com isso, ir ao cinema com isso, comer com
isso — é um país… pobre!
A reação àquele episódio
lamentável foi para o lado errado! Os pruridos politicamente corretos vieram à
flor da pela como urticária ditada pela boa consciência. E só.
Mesmo discordando de boa parte
da fala de Sheherazade — que foi mandada para o poste —, a verdade insofismável
é que ela estava mais no assunto do que boa parte dos textos lacrimejantes e
hipócritas que se escreveram a respeito.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, 21-02-2014
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