sexta-feira, 8 de maio de 2015

Lições inglesas

Rui Ramos
Não admitir erros, negar os problemas, e prometer facilidades não é sempre uma receita de sucesso. Os Trabalhistas, que fizeram tudo isso, sofreram a sua maior derrota em trinta anos.

Ninguém o esperava. Faz lembrar 1992. Todos nesse ano também antecipavam um parlamento sem maioria absoluta de um partido. Os Conservadores no governo ganharam então, como ganharam agora. Uma coisa é o que isso diz para o Reino Unido, e outra o que diz para o resto da Europa, especialmente para os países que têm eleições marcadas para este ano, como Portugal ou a Espanha.

A primeira lição é que tomar o governo num país praticamente em bancarrota, e ser obrigado a equilibrar as contas, não tem de ser uma tarefa fatal. Os Conservadores no Reino Unido obtiveram a sua primeira maioria absoluta desde 1992. Quando a recessão dá lugar ao crescimento e à criação de emprego, como acontece agora, o eleitorado compreende que o ajustamento foi difícil, mas não inútil, e pode não desejar correr mais riscos, sobretudo com aqueles que sempre se permitiram tratar a “austeridade”, apesar dos défices, como um simples capricho “ideológico”.

Mas há mais do que isso: tal como no resto da Europa, a recessão parece ter terminado no Reino Unido, mas a “crise” não, naquilo que diz respeito à viabilidade do Estado e à competitividade da economia. Ora, quem provou ser capaz até agora de reconhecer e enfrentar esses problemas, em vez de simplesmente os negar, talvez se encontre em vantagem no debate público.

Foto: Cathal McNaughton/Reuters

A segunda lição é que é preciso esperar até ao fim. Os Conservadores de David Cameron andaram atrás dos Trabalhistas de Ed Miliband em todas as sondagens de opinião desde 2011, durante quatro anos. Só recuperaram nos últimos meses, e quase que só venceram nas últimas semanas, ou mesmo nos últimos dias. Nada está decidido antes de os votos serem contados.

A terceira lição é que não basta fazer: é preciso acreditar no que se está a fazer. O Partido Liberal-Democrata de Nick Clegg também esteve no governo com os Conservadores durante o processo de ajustamento no Reino Unido. Mas sempre a arrastar os pés e a denunciar os “cortes” dos Conservadores, como uma espécie de oposição interna no governo. Pelos vistos, não convenceu ninguém: nem aqueles que aceitaram o ajustamento, nem aqueles que o recusaram.

A quarta lição é que recusar admitir erros, negar os problemas, e prometer facilidades não é necessariamente uma receita de sucesso. O Partido Trabalhista, que fez tudo isso, sofreu a sua maior derrota deste 1983. O número dois do partido, Ed Balls, e o número três, Douglas Alexander, perderam mesmo os seus lugares de deputados. O Partido Trabalhista, em 2010, renegou a sua liderança “centrista” e virou “à esquerda”, como fez perante Thatcher no tempo de Michael Foot. 

O seu manifesto eleitoral foi o mais “esquerdista” desde esses tempos. Prometeu perseguir os ricos, mais despesa, mais impostos. Ed Miliband procurou mesmo o abraço de Russell Brand, uma espécie de Syriza em dose individual. Ao contrário do que aconteceu na década de 1980, o Partido Trabalhista não se dividiu. Mas tal como então, perdeu a Inglaterra e agora também a Escócia. Muito provavelmente, não faltará muito para voltar a admitir que a fórmula da “terceira via” ou do “centro reformista” de Tony Blair, repudiado pelos Trabalhistas na última década, foi muito mais eficaz para vencer eleições (todas as eleições ganhas pela esquerda em Inglaterra nos últimos 40 anos, depois de 1974, foram ganhas por Blair, em 1997, 2001 e 2005).

O “esquerdismo” ressuscitado pela crise financeira em versão urbana-universitária pode estar a gozar os seus últimos dias ao sol, sobretudo onde não se conseguiu ligar ao populismo nacionalista, como na Escócia ou na Grécia. O vento já abandonou as velas do Podemos em Espanha. Muito provavelmente, alguns continuarão a insistir que é o povo que está enganado, como o inevitável Paul Krugman. Mas a esquerda reformista terá provavelmente uma nova oportunidade, como aliás sugerem os governos da Itália com Renzi ou da França com o plano Macron.

A quinta lição diz respeito ao populismo nacionalista, que a recessão e a crise animaram em toda a Europa. Devido ao sistema eleitoral britânico, o UKIP com 12,6% dos votos no Reino Unido tem apenas um deputado, e o SNP (nacionalistas escoceses), com 4,8% dos votos, tem 56, quase todos os deputados eleitos na Escócia. Mas o UKIP acrescentou a sua votação e progrediu no norte de Inglaterra, onde em muitas circunscrições eleitorais surgiu como o segundo partido, atrás do Partido Trabalhista. Ou seja, o SNP desalojou o Trabalhismo na Escócia, e o UKIP ameaça fazer o mesmo naquele que era o outro bastião eleitoral trabalhista, no norte de Inglaterra.

A direita conservadora, que aliás soube manipular o medo de um governo trabalhista dependente dos votos do nacionalismo escocês, resistiu melhor ao populismo nacionalista do que a esquerda trabalhista. Tal como em França, onde os gaullistas resistiram à Frente Nacional, a esquerda do arco da governação parece mais vulnerável aos populismos do que a direita.

O que não quer dizer que os populismos nacionalistas não sejam um problema para todos. No Reino Unido, colocarão provavelmente um problema constitucional. O Partido Conservador prometeu um referendo sobre a integração do Reino Unido na União Europeia, e o SNP levantará certamente a questão escocesa. A solução será talvez ainda mais autonomia para a Escócia, sem separação monetária (que os nacionalistas escoceses não querem). O que quer dizer que os ingleses podem recusar o federalismo europeu, mas podem ter de se conformar com um federalismo britânico. Ou seja, se eurocépticos ingleses e nacionalistas escoceses vencerem os debates, o Reino Unido sairá da União Europeia apenas para se tornar uma mini-União Europeia, com uma moeda comum. E a Escócia, um dia, talvez seja a sua Grécia. Pelo menos, já lá está uma espécie de Syriza.  
Título e Texto: Rui Ramos, Observador, 8-5-2015

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