Rui Ramos
Não admitir erros, negar os
problemas, e prometer facilidades não é sempre uma receita de sucesso. Os
Trabalhistas, que fizeram tudo isso, sofreram a sua maior derrota em trinta
anos.
Ninguém o esperava. Faz
lembrar 1992. Todos nesse ano também antecipavam um parlamento sem maioria
absoluta de um partido. Os Conservadores no governo ganharam então, como
ganharam agora. Uma coisa é o que isso diz para o Reino Unido, e outra o que
diz para o resto da Europa, especialmente para os países que têm eleições
marcadas para este ano, como Portugal ou a Espanha.
A primeira lição é que tomar o
governo num país praticamente em bancarrota, e ser obrigado a equilibrar as
contas, não tem de ser uma tarefa fatal. Os Conservadores no Reino Unido
obtiveram a sua primeira maioria absoluta desde 1992. Quando a recessão dá
lugar ao crescimento e à criação de emprego, como acontece agora, o eleitorado
compreende que o ajustamento foi difícil, mas não inútil, e pode não desejar
correr mais riscos, sobretudo com aqueles que sempre se permitiram tratar a
“austeridade”, apesar dos défices, como um simples capricho “ideológico”.
Mas há mais do que isso: tal como no resto da Europa, a recessão parece ter terminado no Reino Unido, mas a “crise” não, naquilo que diz respeito à viabilidade do Estado e à competitividade da economia. Ora, quem provou ser capaz até agora de reconhecer e enfrentar esses problemas, em vez de simplesmente os negar, talvez se encontre em vantagem no debate público.
Mas há mais do que isso: tal como no resto da Europa, a recessão parece ter terminado no Reino Unido, mas a “crise” não, naquilo que diz respeito à viabilidade do Estado e à competitividade da economia. Ora, quem provou ser capaz até agora de reconhecer e enfrentar esses problemas, em vez de simplesmente os negar, talvez se encontre em vantagem no debate público.
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Foto: Cathal McNaughton/Reuters
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A segunda lição é que
é preciso esperar até ao fim. Os Conservadores de David Cameron andaram
atrás dos Trabalhistas de Ed Miliband em todas as sondagens de opinião desde
2011, durante quatro anos. Só recuperaram nos últimos meses, e quase que só venceram
nas últimas semanas, ou mesmo nos últimos dias. Nada está decidido antes de os
votos serem contados.
A terceira lição é que não
basta fazer: é preciso acreditar no que se está a fazer. O Partido
Liberal-Democrata de Nick Clegg também esteve no governo com os Conservadores
durante o processo de ajustamento no Reino Unido. Mas sempre a arrastar os pés
e a denunciar os “cortes” dos Conservadores, como uma espécie de oposição
interna no governo. Pelos vistos, não convenceu ninguém: nem aqueles que
aceitaram o ajustamento, nem aqueles que o recusaram.
A quarta lição é que recusar
admitir erros, negar os problemas, e prometer facilidades não é necessariamente
uma receita de sucesso. O Partido Trabalhista, que fez tudo isso, sofreu a sua
maior derrota deste 1983. O número dois do partido, Ed Balls, e o número três,
Douglas Alexander, perderam mesmo os seus lugares de deputados. O Partido
Trabalhista, em 2010, renegou a sua liderança “centrista” e virou “à esquerda”,
como fez perante Thatcher no tempo de Michael Foot.
O seu manifesto eleitoral
foi o mais “esquerdista” desde esses tempos. Prometeu perseguir os ricos, mais
despesa, mais impostos. Ed Miliband procurou mesmo o abraço de Russell Brand,
uma espécie de Syriza em dose individual. Ao contrário do que aconteceu na
década de 1980, o Partido Trabalhista não se dividiu. Mas tal como então,
perdeu a Inglaterra e agora também a Escócia. Muito provavelmente, não faltará
muito para voltar a admitir que a fórmula da “terceira via” ou do “centro
reformista” de Tony Blair, repudiado pelos Trabalhistas na última década, foi
muito mais eficaz para vencer eleições (todas as eleições ganhas pela esquerda
em Inglaterra nos últimos 40 anos, depois de 1974, foram ganhas por Blair, em
1997, 2001 e 2005).
O “esquerdismo” ressuscitado
pela crise financeira em versão urbana-universitária pode estar a gozar os seus
últimos dias ao sol, sobretudo onde não se conseguiu ligar ao populismo
nacionalista, como na Escócia ou na Grécia. O vento já abandonou as velas do
Podemos em Espanha. Muito provavelmente, alguns continuarão a insistir que é o
povo que está enganado, como o inevitável Paul Krugman. Mas a esquerda reformista terá provavelmente
uma nova oportunidade, como aliás sugerem os governos da Itália com Renzi ou da
França com o plano Macron.
A quinta lição diz respeito ao
populismo nacionalista, que a recessão e a crise animaram em toda a Europa.
Devido ao sistema eleitoral britânico, o UKIP com 12,6% dos votos no Reino
Unido tem apenas um deputado, e o SNP (nacionalistas escoceses), com 4,8% dos
votos, tem 56, quase todos os deputados eleitos na Escócia. Mas o UKIP acrescentou
a sua votação e progrediu no norte de Inglaterra, onde em muitas circunscrições
eleitorais surgiu como o segundo partido, atrás do Partido Trabalhista. Ou
seja, o SNP desalojou o Trabalhismo na Escócia, e o UKIP ameaça fazer o mesmo
naquele que era o outro bastião eleitoral trabalhista, no norte de Inglaterra.
A direita conservadora, que aliás soube manipular o medo de um governo trabalhista dependente dos votos do nacionalismo escocês, resistiu melhor ao populismo nacionalista do que a esquerda trabalhista. Tal como em França, onde os gaullistas resistiram à Frente Nacional, a esquerda do arco da governação parece mais vulnerável aos populismos do que a direita.
A direita conservadora, que aliás soube manipular o medo de um governo trabalhista dependente dos votos do nacionalismo escocês, resistiu melhor ao populismo nacionalista do que a esquerda trabalhista. Tal como em França, onde os gaullistas resistiram à Frente Nacional, a esquerda do arco da governação parece mais vulnerável aos populismos do que a direita.
O que não quer dizer que os
populismos nacionalistas não sejam um problema para todos. No Reino Unido,
colocarão provavelmente um problema constitucional. O Partido Conservador
prometeu um referendo sobre a integração do Reino Unido na União Europeia, e o
SNP levantará certamente a questão escocesa. A solução será talvez ainda mais
autonomia para a Escócia, sem separação monetária (que os nacionalistas
escoceses não querem). O que quer dizer que os ingleses podem recusar o
federalismo europeu, mas podem ter de se conformar com um federalismo
britânico. Ou seja, se eurocépticos ingleses e nacionalistas escoceses vencerem
os debates, o Reino Unido sairá da União Europeia apenas para se tornar uma
mini-União Europeia, com uma moeda comum. E a Escócia, um dia, talvez seja a
sua Grécia. Pelo menos, já lá está uma espécie de Syriza.
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