Somos, muitas vezes,
intolerantes uns com os outros. Por que será? Por pura ignorância. Supostamente
porque falta-nos o uso correto da razão. Limitamo-nos apenas ao modo empírico
ou sensível de conhecer as coisas que nos fornece opiniões e imaginação, mas não
a verdade. Assim, tornamo-nos preconceituosos, dificultando a compreensão das
ações ou comportamento do outro. Neste caso, focamo-nos única e exclusivamente
naquilo que é praticado pelo outro, mas não analisamos o porquê de suas ações e
comportamento.
Quando o outro está alinhado
com o meu pensamento tudo bem, aplaudo; mas quando não, abomino seu modo de
pensar e agir. Acontece que tanto ao outro como a mim falta o elemento do
raciocínio correto que é conhecer pelas causas; fixamo-nos mais no efeito e ignoramos
a causa do efeito.
Se alguém está dominado pelo
sentimento de rancor, por exemplo, e me agride verbalmente não deixo por menos,
retribuo na mesma moeda. O agressor não sabe o porquê da raiva, nem eu sei o
porquê do mesmo sentimento. Se ambos soubéssemos a causa ou causas que nos
levaram a nos aborrecer, talvez não nos indispuséssemos dessa maneira
agressiva.
Aplicar adequadamente a razão
para um conhecimento que nos leva ao âmago da coisa não é tarefa fácil, exige
esforço, mas altamente compensador para uma vida mais gostosa, e facilita os
relacionamentos.
O que mais ocorre é que nos
deixamos levar pelo conhecimento superficial sensível, pela experiência que
temos das coisas e achar que isto nos basta. Com esse conhecimento primário
formulamos opiniões imaginativas que não é o verdadeiro conhecimento. Se sinto,
por exemplo, raiva é porque algo ou alguém me induziu a isso; e se não me dei
ao trabalho de racionalizar o porquê desse algo ou desse alguém ter me deixado
neste estado rancoroso, estarei à mercê de seu efeito deletério.
Sabemos que a natureza humana
não está à margem da Natureza como um todo; distingue-se apenas de que em nós
palpitam sentimentos e paixões como seres racionais que somos. Se na Natureza
as coisas acontecem deterministicamente - tudo o que acontece é porque tem que
acontecer -, na natureza humana também se dá assim: nossas emoções, paixões são
da nossa natureza e nos sobrevêm infalivelmente, não adianta querer
erradicá-las com o fito de viver mais feliz, não conseguiremos; a estratégia é
dedicar-nos a obter um nível de conhecimento superior ao conhecimento sensível
e imaginativo; é necessário submeter-se ao conhecimento racional, lógico,
geométrico para conhecer as causas de nossas emoções.
Como em geometria, por
exemplo, não há como não admitir que o triângulo tem três ângulos e cuja soma é
a de dois ângulos retos, assim também as nossas paixões são passiveis de
compreensão lógica; isto é, quais as conexões causais aí implicadas para que
tenhamos o conhecimento certo do que nos afeta. Se na era mítica da humanidade
os homens se apavoravam com o trovão que era tido como sinal de aborrecimentos
dos deuses para com eles, o conhecimento científico nos libertou tanto dos
deuses como do medo oriundo da ignorância. Assim se passa com os nossos
sentimentos que podem ser explicados com toda clareza e distinção para que não
sejamos reféns de medos e sofrimentos.
Este conhecimento superior nos
faculta a compreensão das causas que provocam em nós os variados sentimentos,
ora de tristeza ora de alegria; e da posse dessa compreensão saberemos agir e
nos comportar adequadamente. O sentimento de tristeza (daí se derivam todas as
paixões negativas: ódio, cólera, inveja, medo, depressão...) é minimizado por
que concluiremos que a causa da tristeza não passa de mero factoide que quer
nos derrubar. Ao contrário, o sentimento de alegria (amor, caridade,
compaixão...), sabendo-se o que o causou, se algo verdadeiro e nobre, segundo a
análise e critério da razão, só pode reforçar mais a alegria, e é o que todos
procuramos para sermos felizes.
A questão, pois, é
aprimorar-nos gradualmente no conhecimento racional soltando-nos das amarras
das opiniões e imaginações para que o negativo dos sentimentos não nos domine;
quanto mais avançarmos neste sentido mais as coisas ficarão claras e distintas
a ponto de atingir o estágio máximo da racionalidade onde desponta o
conhecimento intuitivo com o qual teremos uma visão causal penetrante de tudo
que nos cerca e, assim, termos o controle de nossas emoções. Seremos alçados ao
amor intelectual de Deus (amor
intelectualis Dei), segundo o filósofo Spinoza. Daí em diante a vida se
desenrola na virtude acompanhada da felicidade. Virtude (virtus = força, vigor) nada mais é que o conatus, o ímpeto, que nos faculta persistir e apreciar a vida.
Neste patamar de conhecimento
perceberemos que não vale à pena deixar-nos levar pelas emoções e paixões
negativas que nos infernizam a vida e saberemos substitui-las pelas paixões que
positivam a vida anuindo com o filósofo: “nec
ridere, nec lugere, neque detestari, sed intelligere” (Não rir, não
lamentar, nem amaldiçoar, mas compreender). Isto é, teremos uma atitude de
distanciamento emocional daquilo que nos perturba, isenta das imaginações
alógicas e arracionais; e teríamos a compreensão das atitudes emocionais
daqueles que nos cercam, sem julgá-los, detestá-los, rir-se deles ou lamentar
suas atitudes.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 17-2-2017
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Valdemar, eu NÃO SOU TOLERANTE.
ResponderExcluirTOLERAR IMBECILIDADES, IGNORÂNCIAS, ARROGÂNCIAS, NÃO FAZEM PARTE DO MEU COTIDIANO.
Tolero ofensas medíocres pessoais, tolero a diversidade, tolero tudo que for opções pessoais.
Não tolero pelegos, puxa-sacos, idólatras, religiosos estigmatizados, políticos em geral.
Um tripulante de cabine de comando é extensamente tolerante.
Os tripulantes de cabine de passageiros são HIPER TOLERANTES.
Sem citar nomes com quantos boçais fomos tolerantes.
Você descreve o triângulo muito bem.
Houve um desse santos católico que disse que um triângulo não pode ter mais do que 180 graus.
A geometria esférica provou que há.
Houve que dissesse que a menor distância entre dois pontos é uma reta.
Nós aviadores sabemos e provamos que não.
O que admiro em Espinosa é a libertação dos sentimentos e dos sofrimentos.
Exemplos não faltam no nosso cotidiano.
Sofreram quando da redução pela intervenção, sentiram-se agraciados com a tutela antecipada, sofrem com os atrasados.
Sou daquela opinião que quando tudo está ruim, ainda resta um pouco de bom, basta abrir os olhos e olhar ao nosso redor.
Espinoza tenta acabar com o niilismo humano, isso é impossível.
Humanos jamais pensam no coletivo além de suas individualidades.
Felizmente não sou um deles.
Gosto de tudo no branco escrito em qualquer cor, ou de tudo escrito em branco sobre o fundo preto.
Não aceito nada escondido.
Sou de pouco amigos porque não tenho falsidade.
Quando num grupo heterogêneo unem-se pelegos e puxa-sacos,não estou dentro.
Prefiro minhas merdas pessoais.
excelente visão
FUI...
Muito bom seu comentário.... Tolerar não significa comungar com a imbecilidade do outro, mas querer saber a causa dele ser imbecil para evitarmos que nós mesmos sejamos imbecis. Tolerar é compreender e torcer para que o imbecil se corrija.... Analisar e descobrir as causas de nossas intolerâncias já é um caminho para a tolerância... A razão nos encaminha para tal. Se ficarmos estagnados no senso comum das opiniões e imaginações, estaremos sujeitos ao trágico da vida....
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