sexta-feira, 3 de março de 2017

Consultar um manipulador?

Henrique Pereira dos Santos

Há quem tenha tido uma grande comoção com a indicação de Francisco Louçã [foto] para o Conselho de Estado e, agora, para o Banco de Portugal.

Francamente não me parece que faça muita diferença face aos que estão nestes órgãos, cuja utilidade não sei avaliar, espanto-me é que Louçã aceite legitimar o poder da burguesia e ser um serventuário do capitalismo, mas isso é lá com ele. 

Vale a pena perder um minuto a discutir por que razão esta nomeação é ilustrativa de um processo de escolha e decisão que deveria ser mais bem ponderado e, para isso, é muito útil ouvir o comentário político de Louçã sobre as offshores e Paulo Núncio.

Questionado sobre o assunto, e sabendo que não poderia dar importância material ao que se passou sem pôr em causa a sua reputação académica (Louçã dificilmente cometeria o erro de falar em fuga maciça aos impostos sabendo da baixa probabilidade de ser isso que está em causa), refugia-se primeiro numas generalidades sobre a necessidade de cumprir as regras com que toda a gente está de acordo (esta costela institucionalista de Louçã tem vindo a manifestar-se muito desde que a geringonça chegou ao poder, e ainda bem) e depois atira-se à verdadeira manobra de diversão: sem nunca acusar diretamente, descreve o percurso de Paulo Núncio antes de chegar ao governo, relacionando-o com offshores, e depois ligando-o a decisões que teriam matado o processo dos submarinos.

Sem nunca explicar qual é a relação do que diz com o assunto sobre que é questionado, insinua que Paulo Núncio estava no governo para fazer fretes aos interesses económicos, de uma forma que roça a difamação (sem nunca passar formalmente essa linha).

Louçã é exímio nesta arte de difamar terceiros sem nunca o fazer explicitamente, é um verdadeiro génio da insinuação.

Uma frase define tudo: quando fala da transferência da OI, na sequência da venda da PT, quem ele refere não é quem faz a transferência, o vendedor, mas sim a Altice, que não tem nada com o assunto para além de ser o comprador que pagou o dinheiro depois transferido pela OI. Não é um acaso, é um alinhamento com a agenda política de Louçã para quem dá mais jeito chamar à colação a Altice (os abutres que compraram a PT) que a OI, peça central de um obscuro negócio feito no tempo de um governo de esquerda.

A mim fez-me lembrar uma resposta de Louçã, quando falava da sua vida privada e, não querendo apresentar-se como um patrão que explora trabalhadores domésticos, se referia à sua mulher a dias (empregada, criada, seja qual for o termo a usar, não lhe dava muito jeito) como sendo "a senhora que ajuda lá em casa". Imagino o charivari que Louçã faria se algum patrão se referisse aos operários da sua empresa como "os senhores que ajudam lá na fábrica", mas adiante.

A questão de fundo consiste em nos perguntarmos qual é a utilidade em ter conselhos consultivos para os quais não convidamos pensadores, isto é, pessoas realmente livres que em cada momento dizem o que pensam da realidade concreta sobre a qual é preciso decidir, mas sim manipuladores que em cada momento apenas dizem o que entendem que é útil para fazer avançar a sua agenda política.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas, 25-2-2017

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