sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

[Aparecido rasga o verbo] Dos procedimentos abusivos em cobranças de dívidas, à luz da Lei 8.078 de 11 de setembro de 1988

Aparecido Raimundo de Souza

Devo não nego. Pago quando puder”.
Frase do “Cancioneiro popular”

AUMENTAM, A CADA DIA QUE PASSA, em graus inconcebíveis, as reclamações nos principais órgãos de defesa do consumidor (PROCON, fundação com personalidade jurídica de direito público que coopera como uma ramificação auxiliar do Poder Judiciário) sobre a atuação de certas empresas de cobranças existentes país afora. Os desabafos dos que metem as respectivas bocas nos trombones e outros instrumentos de sopro são sempre ligados às pressões psicológicas dos que detém os documentos em mãos. Esses elementos, de posse “desses papéis”, telefonam trocentas vezes para as casas dos mal-aventurados, serviços ou escritórios, deixando recados desaforados com os “desconhecidos” que, porventura, atendam às ligações.

No contrafluxo, com a sutileza dos elefantes enfurecidos, esses vândalos taxam os inadimplentes para esses “desconhecidos”, alcunhando-os de “caloteiros” e “sem vergonha”. No mesmo norte, enviam cartinhas com sintomas ralhosos, dirigidas para todos os lugares que supostamente os infelizes possam receber. Essa modalidade de cobrança se tornou um procedimento normal e corriqueiro. Em vista disso, várias pessoas, procuram os órgãos de defesa dos consumidores diariamente, para esclarecerem que, efetivamente, ficaram encrencadas em razão do momento econômico difícil que o Brasil atravessa (que é do conhecimento geral, inclusive) e que, agora, se veem coagidas mediante as atitudes relatadas, a pagarem, no mínimo, cinco vezes mais que o débito original, sob a falsa justificativa de que essas elevações procedem, em consequência de juros, multas e despesas cartorárias.

Vejamos alguns exemplos bem frequentes: um cheque “pre” de 50 reais, em poucas semanas, é exigido de quem o emitiu, o valor de R$ 700,00 para sua liquidação total. No cartão de crédito, a bola de neve se apresenta um pouco mais estranha, seguida, evidentemente, da forma mais perniciosa de cobrança. Uma dívida de R$ 400.00, rapidamente ultrapassa os R$ 3 mil para que os incautos delas possam se livrar. Saldos devedores de “cheques especiais”, então, se transformam em verdadeiros “milagres da multiplicação”, saltando de míseros R$ mil reais para oito, num simples piscar de olhos.

Quando as alçadas maiores avançam além desses valores e saltam para patamares estratosféricos, normalmente os “papeis” são encaminhados para os famosos rábulas, que tomam medidas judiciais, até se embriagarem com “às custas”, despesas com processos dessa estirpe, muitas das vezes, não compensando os bolsos de nenhuma das partes envolvidas. Dívidas consideradas irrecebíveis tomam caminhos diferentes. Param nos famosos departamentos de recuperação de créditos das firmas (ou escritórios) “especializadas”, normalmente montadas em fundos de quintais ou até subsidiadas em prédios imponentes com belas e majestosas fachadas, tudo para arrancar o couro e os cabelos dos colhões dos infelizes. Grosso modo, dos patos. E cá entre nós, senhoras e senhores, haja patos!

Acreditem, amados e amadas, essas gangues arrancam. Se duvidar, os “especialistas” deixam, literalmente, os desgraçados, sem saída, sem eira nem beira. Uns pelados, mãos na frente, outras atrás e, uma segunda corrente de imbecis com os chifres atarracados nas cabeças (a perquirirem, em vão, o que foi que fiz, onde me atolei??!!), a maioria, sem o dinheiro da condução para voltar para casa. O fato é que essas espeluncas passam a infernizar a vida dos coitados que, por deslize, possuam algum título em aberto rodando na praça.  

Na verdade, o que causa espanto e indignação nessas atitudes inescrupulosas é a constatação de que os ofendidos (geralmente pessoas humildes e sem nenhum conhecimento jurídico), de repente são colocados entre a cruz e a espada. Ficam completamente sem saída à mercê de useiros e vezeiros (“vespeiros” seria o termo mais adequado) da espécie mais degradante. Devemos nos debruçar no parapeito do que sinaliza o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1988: (...):

“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não ficará exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça” (...). E arremata mais adiante no artigo 71: (...) “Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor injustificadamente, ao ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou laser. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa” (...).

Para que não paire dúvidas, é conveniente esclarecermos, o alcance de alguns desses termos empregados na redação de ambos os preceitos.  Analisemos o que consideramos o mais sério. Não que os demais não sejam. A nosso entender, a “AMEAÇA” lidera o ranking, está em primeiro lugar. E é bem amplo seu desdobramento. Como ensinam juristas de renome, em comentários ao Código, se o cobrador “ameaçar” o consumidor (ameaçar no sentido de admoestar, intimidar ou bravatear) de propagar a notícia entre parentes, amigos ou colegas de trabalho, haverá ofensa à lei. No cotidiano se multiplicam como políticos corruptos, outros tipos, como o de lançar “notas”, publicações de “a pedidos”, em jornais de grande circulação, usque levar o fato a conhecimentos de chefes ou superiores, com variantes a promoverem escândalos, fofocase picuinhas etc...

É importantíssimo sublinharmos, não se exige a consumação total do que acima expusemos. A simples menção à utilização destes e de outros mecanismos inaceitáveis, “é suficiente o bastante para configurar a incisão aos artigos 42 e 71”. Os empresários que, por acaso, estiverem pensando que o constrangimento físico ou moral é coisa do passado, estão totalmente equivocados. Recolham seus burrinhos à sombra.

É fato distinto e óbvio, igualmente, os “bons de papos”, cobradores natos, baterem às portas dos transtornados, indivíduos inescrupulosos que sairiam melhor exercendo a profissão de “leões-de-chácara”. Queremos deixar transparente, porém, que nada temos, ou dito de forma mais corriqueira, nada se tem contra esses brutamontes que dignamente labutam como seguranças (de puteiros, inferninhos, casa de massagens, boates e outros trololós do ramo) para ganharem o pão do dia-a-dia. Todavia, a mais distante insinuação ou utilização de seus dotes físicos, ainda que não traduzidos expressamente em socos e pontapés, apenas palavras ditas no cangote, significa, evidentemente, insulto, ofensa e agressão aos padrões vigentes.

No que ressoa às asseverações falsas, incorretas ou enganosas, igualmente contempladas pelo conjunto de preceitos, deparamos com a mentira pura, deslavada e sem complexidade. É o caso típico do espertalhão que, se intitulando “advogado” ou no cu de Judas, sendo, de mérito um representante OABESADO (aquele indivíduo que tem a carteirinha vermelha da OAB, Ordem dos Advogados do Brasil), grudar como carrapato no calcanhar do devedor e o induzir a acreditar que, por ter passado um cheque pré-fixado, ou pré-datado (o famoso sem fundos, bate volta), será responsabilizado pelo crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal, reprimenda que, se condenado, lhe poderá custar reclusão de um a cinco anos e multa). Em seguida, sustentando que a “papelada corre” na delegacia ou no cartório de uma das varas criminais que, por sua vez, dará pronta execução ao pedido de “encarceramento”, ou seja -, o direito de ir e vir (como o de gozar e desgozar) do elemento, será imediatamente cerceado.

Todas essas celeumas e contraditas, fazem parte de um rosário de expressões que implicam em qualificativos que o devedor não possui, como correspondências redigidas de modo a simularem, à primeira vista, aparências enganosas de procedimentos judiciais. O escárnio reside em tudo aquilo que, efetivamente extrapole, além da “AMEAÇA”, envergonha ou coloca o devedor perante terceiros em posições esdruxulamente vexatórias e embaraçosas.

Trazemos numa outra ótica, à baila, os famosos “cartões de cobranças”, sem os invólucros, ou com mais identificáveis exteriormente seguidos das “listas negras” de maus pagadores, muito comuns em condomínios povão, escolas de periferias e em dias atuais, até em faculdades renomadas.

No que tange a interferência com o trabalho, descanso ou lazer, se verifica este modelo da seguinte maneira: o cobrador, informado pelo devedor, de que suas visitas ou telefonemas para o local de trabalho lhe ocasionaram problemas, a insistência contínua, acirrada e ininterrupta, será tida ou interpretada como incomodação ou desrespeito direto à justiça.

Ilícitas, ainda, em igual pacote, telefonar ou contatar diretamente com o encarregado, chefe ou patrão, colegas, amigos, vizinhos, namoradas ou familiares. Inadmissíveis, mesma mordida do cão raivoso encheções de sacos em horário de descanso noturno, visitas sucessivas de maneira a importunar ferrenha ou intencionalmente quem quer que seja. Nestas linhas, caros leitores e amigos, não se esgotam com as referências acima mencionadas, outras concorrências passíveis de penalizações aqui não relacionadas, até porque, criam vida e forma as mais terríveis e insustentáveis. Existe, por sinal, um leque enormemente grandioso.

De qualquer forma, todos que se sentirem lesados ou prejudicados, deverão registrar ocorrências policiais (o famoso BO), para os fins de instaurações de inquéritos policiais e, posteriormente, intentarem ações penais. No mesmo pentear do topete do Itamar Franco, requererem imediatas e urgentes providências das autoridades, para que cessem os atos afrontosos que lhes atormentam deprimem ou escarneçam a moral. Afinal de contas, quem se considerar ou se achar obstado ou atingido, carece do lídimo direito de correr atrás (além da penal) de uma indenização na esfera civil. 

Que fique, pois, cristalinizada, a seguinte teoria na cabeça de quem deve: em vista de tudo o que aqui trouxemos, se o devedor ou (consumidor) perdeu o emprego, se pegou envergonhado publicamente, ficou desmoralizado perante os vizinhos, colegas de trabalho, amigos ou granjeou antipatias de terceiros, mesmo que esse terceiro seja a linda e fogosa cadela da vizinha, em geral, se viu seu casamento, vida em comum afetada, buraco à baixo, em todas estas e nos demais casos de prejuízos não mencionados, a qualquer do povo, sem exceção, está assegurada a garantia dos direitos, a recuperação pecuniária fixada por um juiz.

Desde que ele, o magistrado, não seja corrupto. Por derradeiro, queremos esclarecer que não é nossa intenção condenar as cobranças – aliás, um direito líquido e certo dos credores. Correr atrás de uma dívida é atividade legítima. O Código de Defesa do Consumidor, em nenhum momento se impõe a tal comando. Tampouco, nós, formadores de opinião, o faríamos. A objeção ao agasalho da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1988, como a nossa, se resume, se sintetiza, se acastela aos excessos cometidos por certos marginais disfarçados de empresas cobradoras, e, por debaixo dos panos, os engravatados de terninhos impecáveis, no afã insidioso dos recebimentos por vias indigestas pendem a balança para disparidades salpicadas de um punhado de encenações charlatãs.
Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha, no Espírito Santo. 9-2-2018

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