João Pereira Coutinho
O que diriam os europeus se a China, depois
de ter descoberto o caminho marítimo para a Europa, inaugurasse em Pequim um
museu para celebrar o “descobrimento” dos europeus? Confesso que me seria
indiferente
FERNANDO MEDINA TINHA UM SONHO: abrir em Lisboa um "Museu dos
Descobrimentos". Mas Medina, com pouca sensibilidade cultural, não ouviu
algumas luminárias sobre o assunto, que o teriam demovido da sua aberrante
ambição.
Felizmente, as luminárias
reuniram-se em carta aberta e tentaram moralizar os rústicos sobre o problema
da palavra "descobrimento". Dizem eles que a palavra remete-nos para
o mundo dos séculos XV e XVI – eurocêntrico, claro –, reduzindo os povos e os
territórios "descobertos" a meros sujeitos passivos da história. A
ideia, ridícula e insultuosa, de que os portugueses "descobriram" o
que quer que seja só é aceitável se tomarmos como perspectiva o nosso pequeno,
insignificante e absolutamente risível canto geográfico.
E os autores da missiva vão
mais longe: o que diriam os europeus se a China, depois de ter descoberto o
caminho marítimo para a Europa, inaugurasse em Pequim um museu para celebrar o
"descobrimento" dos europeus?
Confesso que me seria
indiferente. Porque, na minha indiferença, talvez resida o multiculturalismo em
estado são: se todas as civilizações têm igual validade cultural, podemos
concluir que é inteiramente legítimo que os chineses tenham o seu ponto de
vista sobre a história, mesmo que esse ponto de vista não coincida com o nosso
ponto de vista.
Acontece que as luminárias da
carta aberta, em nome da tolerância e da compreensão do Outro, cometem o erro
primário de se esquecerem dessa tolerância e dessa "compreensão" para
uma civilização em particular: a "civilização ocidental". Como
lembrava o filósofo Roger Scruton, esse é o paradoxo dos "fanáticos da
tolerância": eles pedem respeito para todos os povos, exceto para um povo
em particular. Por sinal, o povo a que pertencem.
Só isso explica que, para
aquelas cabeças confusas, os portugueses estejam interditos a qualquer
"narrativa" sobre o seu passado. O que eles não teriam a coragem de
dizer sobre uma tribo africana é abertamente defendido contra a tribo
ocidental.
Cuidado, luminárias: o racismo
invertido não deixa de ser uma forma de racismo.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO,
nº 731, de 3 a 8 de maio de 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-