Maka Angola
O jornalista Rafael Marques de
Morais [foto], que tem enfrentado décadas de assédio e processos jurídicos ao revelar
a corrupção e os abusos de direitos humanos na sua Angola natal, foi nomeado o
70º Herói Mundial da Liberdade de Imprensa do Instituto Internacional da
Imprensa (International Press Institute – IPI).
O Prémio Herói Mundial da Liberdade de Imprensa do IPI homenageia jornalistas que tenham dado uma
contribuição significativa para a promoção da liberdade de imprensa,
particularmente em face de elevado risco pessoal. Juntamente com o prémio Free Media Pioneer, também atribuído
anualmente, este será apresentado numa cerimônia especial a 22 de Junho em
Abuja, Nigéria, que terá lugar durante o Congresso Mundial e Assembleia Geral anual
do IPI. Nos últimos quatro anos, os dois prémios foram concedidos em parceria
com o International Media Support (IMS)
de Copenhaga, Dinamarca.
Marques iniciou a sua carreira
como repórter no jornal estatal Jornal de Angola em 1992,
antes de ser demitido devido à sua determinação em desviar-se da linha traçada
pelo então presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que governou a antiga
colónia portuguesa com mão de ferro entre 1979 e 2017.
Em 2008, depois de anos a
escrever para meios independentes em Angola e de ter sido o autor de numerosos
relatórios sobre violações de direitos humanos, Marques fundou o site de
vigilância Maka Angola, que leva a cabo trabalhos de investigação sobre
corrupção envolvendo líderes com posições de destaque nas esferas da política,
negócios e militar de Angola.
Marques desencadeou a ira
oficial pela primeira vez em 1999, quando publicou um artigo no semanário
independente, Agora, descrevendo José Eduardo dos Santos como um
ditador responsável por destruir o país e promover a incompetência e a corrupção.
Pouco depois, Marques foi preso e acusado de difamação. Acabou por passar 43
dias em prisão preventiva antes de ser condenado a uma pena de prisão de seis
meses em março de 2000. Mais tarde, o Tribunal Supremo de Angola reduziu a pena
para uma sentença suspensa.
Grande parte do trabalho de
Marques tem-se concentrado na gestão cleptocrática dos recursos naturais em
Angola, cujas vastas reservas de petróleo e minerais enriqueceram uma pequena
elite governante enquanto milhões permanecem na pobreza. A sua obra mais conhecida
internacionalmente, o livro Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em
Angola, de 2011, detalhou alegações de homicídio, agressão, detenção
arbitrária e deslocamento forçado de civis com relação à lucrativa indústria de
mineração de diamantes do país. Depois que um grupo de altos generais angolanos
mencionados no livro ter apresentado queixas, Marques recebeu novamente uma
sentença suspensa de seis meses por difamação.
No início dos anos 2000,
Marques também reportou de forma preeminente sobre corrupção e os alegados
abusos militares na província de Cabinda, rica em petróleo, que abrigam um
movimento separatista de longa data. Mais recentemente, publicou o
relatório “O Campo da Morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016-2017”.
Marques tem enfrentado ameaças e assédio físico e verbal das autoridades
durante toda a sua carreira.
A Diretora-Executiva do IPI,
Barbara Trionfi, saudou Marques pela sua dedicação à procura da verdade em um
ambiente implacável para a liberdade de imprensa.
“Apesar da repressão
sistemática dos meios independente em Angola, Rafael Marques tem conseguido –
correndo grande risco pessoal – fazer incidir uma luz no abuso de poder ao
nível mais elevado com coragem e persistência”, disse ela. “Através dos seus
artigos, livros e pesquisa, o senhor Marques tem levado a cabo o tipo de
jornalismo de vigilância que os meios controlados pelo Estado do país não
conseguem concretizar, proporcionando um serviço essencial ao público Angolano
e à comunidade internacional.”
Trionfi também deplorou um
processo em andamento contra Marques, no qual ele e um colega, Mariano Brás
Lourenço, enfrentam acusações de insultar uma autoridade pública sobre um
artigo de 2016 que examina uma transação imobiliária envolvendo o então
Procurador-Geral de Angola. O par enfrenta até quatro anos de prisão se for
condenado. O caso tem levantado dúvidas sobre uma possível reforma democrática
em Angola sob o governo do presidente João Lourenço, que sucedeu a José Eduardo
dos Santos no ano passado.
“Angola deve acabar com o seu
assédio ao senhor Marques e a todos os jornalistas em Angola”, observou ela.
“Se o Presidente Lourenço leva a sério a mudança, ele deve permitir que meios
críticos e independentes floresçam”.
“Estou profundamente honrado e
agradecido”, disse Rafael Marques. “Sinto-me honrado porque este prémio vem num
momento em que estou sendo julgado por expor corrupção de altas instâncias,
enquanto o presidente Lourenço afirma estar lutando contra isso. No entanto, é
inadequado receber um prémio internacional por fazer o trabalho básico de expor
os males do meu próprio país a fim de corrigi-los para o bem comum.”
Marques é o primeiro Herói
Mundial da Liberdade de Imprensa do IPI de Angola, e o terceiro de língua
portuguesa, depois do português Nuno Rocha e do brasileiro Júlio de Mesquita
Neto. Licenciado pela Goldsmiths, Universidade de Londres e pela Universidade
de Oxford, Marques recebeu anteriormente o Prémio Allard para Integridade Internacional
e o Prémio de Coragem Civil da Fundação Train, entre outros.
O prémio Herói Mundial da
Liberdade de Imprensa de 2017 foi concedido ao jornalista e blogger
etíope Eskinder Nega, que passou quase seis anos na prisão sob acusações fraudulentas
de terrorismo antes de ser libertado, em
Fevereiro de 2018.
O International Press Institute
(IPI) é a mais antiga organização mundial dedicada à promoção do direito à
informação. Somos uma rede global de jornalistas e editores que trabalham para
salvaguardar a liberdade de imprensa e promover a livre circulação de notícias
e informação, bem como a ética e o profissionalismo na prática do jornalismo.
Título, Imagens e Texto: Maka Angola, 22-5-2018
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