sexta-feira, 11 de maio de 2018

Os estudantes condenados pelo regime do MPLA em Malanje

Rafael Marques de Morais

Afonso Simão Muatxipululu, de 18 anos, e Justino Horácio António Valente, de 22 anos, cumprem penas de sete meses de prisão, por terem respondido à mobilização obrigatória das escolas públicas para participarem no ato central do Dia da Paz, a 4 de abril, na cidade de Malanje.

Os jovens encontram-se detidos na Penitenciária da Damba, Município da Caculama, em Malanje.

Como tem sido prática de rotina dos órgãos de investigação criminal e dos agentes da Polícia Nacional, os jovens foram submetidos a tortura, de modo que assumissem o apedrejamento de uma viatura da caravana do vice-presidente Bornito de Sousa [foto].


Ato contínuo, os agentes conduziram os estudantes ao “local do crime”, e aí, recorrendo a práticas de tortura, obrigaram-nos a empunhar pedras. Em seguida, os supostos meliantes foram fotografados, passando a ser os autores do apedrejamento da caravana de Bornito de Sousa.

O Dia da Paz, presidido pelo vice-presidente da República, Bornito de Sousa, foi marcado na sequência de protestos de populares descontentes, que exigiam a demissão imediata do governador Norberto dos Santos “Kwata-Kanawa”.

Na Arena Palanca Negra, o campo multiusos onde se realizou o comício, marcavam presença centenas de estudantes mobilizados compulsivamente, dias antes, pelos diretores de escola. Afonso, estudante da 10ª classe, e Justino, estudante da 9ª classe, representavam a Escola Nicolau Gomes Spencer.

De acordo com os agentes da Polícia Nacional destacados no local, no fim do ato, um grupo de jovens terá apedrejado uma das viaturas da caravana do vice-presidente Bornito de Sousa. Os agentes procederam à detenção arbitrária dos jovens que se encontravam no perímetro do lançamento das pedras, apenas alegado pela polícia. No local, para além dos dois estudantes referidos, foram também detidos o jovem António José Fernandes, de 22 anos, e um adolescente não identificado. António, Afonso e Justino foram submetidos a julgamento sumário nos dias 9 e 10 de abril.

A juíza Bernardeth Vaz Domingos condenou também António José Fernandes a uma pena de prisão de cinco meses. Para o efeito, a juíza não admitiu que se chamasse o diretor da Escola Nicolau Gomes Spencer, para que este confirmasse terem sido os seus estudantes convocados por ele próprio, com o intuito de encherem o pavilhão multiusos e, desse modo, darem as boas-vindas a Bornito de Sousa.

Bornito, Bornito
Esta é a segunda vez, em menos de três meses, que em nome do vice-presidente, Bornito de Sousa, cidadãos são detidos, torturados e fotografados com provas que a polícia e a investigação criminal lhes colocam nas mãos.

No primeiro caso, em fevereiro passado, efetivos da Polícia Nacional, do Serviço de Investigação Criminal e o procurador junto da Divisão do Talatona deram corpo à invenção de que cinco cidadãos tentaram assassinar o vice-presidente Bornito de Sousa, que na altura se encontrava em Portugal. Tudo começou por causa de uma discussão banal, quando o motorista da viatura em que seguiam estacionou, sem saber, diante de uma das casas do vice-presidente no Condomínio Jardim de Rosas, onde este nem sequer vive. Os cinco foram torturados de forma bárbara e filmados com provas ridículas que lhes colocaram nas mãos, tendo ainda sido obrigados a assinar confissões sob ameaças de morte. Passaram mais de um mês na cadeia.

Estes cinco cidadãos apenas foram libertados no dia em que publicámos o relato detalhado sobre a invenção da tentativa de assassinato pelos órgãos policiais e de investigação criminal, e para a qual contaram com a legalização do Ministério Público.

Não houve qualquer responsabilização disciplinar e criminal pelo sucedido.

Quanto aos protestos contra o governador de Malanje, Bornito de Sousa afirmou, na altura, que tal comportamento não refletia o sentimento e o carácter dos malanjinos. O vice-presidente descreveu os seus conterrâneos como tendo um carácter “participativo, pacífico, patriótico, que sofreu sacrifícios durante a guerra e quer ver o desenvolvimento da província e do país”.

Agora, deixamos a pergunta: faz parte das atribuições dos efetivos da Polícia Nacional, do Serviço de Investigação Criminal, do Ministério Público e dos juízes de Malanje a compactuação na tortura, na detenção arbitrária e na condenação à toa de cidadãos sobre os quais recaem suspeitas infundadas?

E, já agora, qual é o sentimento do vice-presidente ao tomar conhecimento de mais esta triste situação envolvendo novamente o seu nome? Parece que se tornou um hábito – péssimo hábito – as autoridades torturarem e deterem cidadãos, e forjarem provas envolvendo o nome de Bornito de Sousa. Ademais, as declarações deste para nada servem. O vice-presidente vai continuar a manifestar indiferença, a manter-se em silêncio, ou vai agir de modo a repor a legalidade e o sentimento de justiça?

Os estudantes perderão o ano letivo e continuarão a sofrer consequências desastrosas, simplesmente por terem sido convocados, pela sua própria escola, para irem encher o comício do vice-presidente?

Para já, é fundamental que os estudantes de todo o país tomem nota deste caso e façam valer os seus direitos. Não há nenhuma lei que os obrigue a ir aos comícios políticos seja de quem for. A participação em atos políticos é uma questão de escolha pessoal.

O MPLA, como sempre, mantém-se igual a si próprio no uso e abuso do povo, como se os cidadãos fossem material descartável: a 21 de abril organizou uma marcha de apoio ao contestado governador Norberto dos Santos “Kwata-Kanawa”, tendo mais uma vez recorrido à mesma população por quem tem manifestado absoluto desprezo. Afinal, os estudantes que usou e meteu na cadeia devido a atos de “desordem” e “atentados à paz” – e com o intuito de justificar a impopularidade do governador – são filhos deste povo que o regime não se cansa de castigar.

Agora, cabe aos estudantes demonstrarem solidariedade perante os seus colegas injustamente condenados e encarcerados. Só por meio da solidariedade para com as vítimas dos abusos de poder poderão os jovens afirmar a sua cidadania e o seu compromisso com o bem comum.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 10-5-2018

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