Rafael Marques de Morais
Afonso Simão Muatxipululu, de
18 anos, e Justino Horácio António Valente, de 22 anos, cumprem penas de sete
meses de prisão, por terem respondido à mobilização obrigatória das escolas
públicas para participarem no ato central do Dia da Paz, a 4 de abril, na
cidade de Malanje.
Os jovens encontram-se detidos
na Penitenciária da Damba, Município da Caculama, em Malanje.
Como tem sido prática de
rotina dos órgãos de investigação criminal e dos agentes da Polícia Nacional,
os jovens foram submetidos a tortura, de modo que assumissem o apedrejamento de
uma viatura da caravana do vice-presidente Bornito de Sousa [foto].
Ato contínuo, os agentes
conduziram os estudantes ao “local do crime”, e aí, recorrendo a práticas de
tortura, obrigaram-nos a empunhar pedras. Em seguida, os supostos meliantes
foram fotografados, passando a ser os autores do apedrejamento da caravana de
Bornito de Sousa.
O Dia da Paz, presidido pelo
vice-presidente da República, Bornito de Sousa, foi marcado na sequência de
protestos de populares descontentes, que exigiam a demissão imediata do
governador Norberto dos Santos “Kwata-Kanawa”.
Na Arena Palanca Negra, o
campo multiusos onde se realizou o comício, marcavam presença centenas de
estudantes mobilizados compulsivamente, dias antes, pelos diretores de escola.
Afonso, estudante da 10ª classe, e Justino, estudante da 9ª classe,
representavam a Escola Nicolau Gomes Spencer.
De acordo com os agentes da
Polícia Nacional destacados no local, no fim do ato, um grupo de jovens terá
apedrejado uma das viaturas da caravana do vice-presidente Bornito de Sousa. Os
agentes procederam à detenção arbitrária dos jovens que se encontravam no
perímetro do lançamento das pedras, apenas alegado pela polícia. No local, para
além dos dois estudantes referidos, foram também detidos o jovem António José
Fernandes, de 22 anos, e um adolescente não identificado. António, Afonso e
Justino foram submetidos a julgamento sumário nos dias 9 e 10 de abril.
A juíza Bernardeth Vaz
Domingos condenou também António José Fernandes a uma pena de prisão de cinco
meses. Para o efeito, a juíza não admitiu que se chamasse o diretor da Escola
Nicolau Gomes Spencer, para que este confirmasse terem sido os seus estudantes
convocados por ele próprio, com o intuito de encherem o pavilhão multiusos e,
desse modo, darem as boas-vindas a Bornito de Sousa.
Bornito, Bornito
Esta é a segunda vez, em menos
de três meses, que em nome do vice-presidente, Bornito de Sousa, cidadãos são
detidos, torturados e fotografados com provas que a polícia e a investigação
criminal lhes colocam nas mãos.
No primeiro caso, em fevereiro
passado, efetivos da Polícia Nacional, do Serviço de Investigação Criminal e o
procurador junto da Divisão do Talatona deram corpo à invenção de que cinco
cidadãos tentaram assassinar o vice-presidente Bornito de Sousa, que na altura se encontrava
em Portugal. Tudo começou por causa de uma discussão banal, quando o motorista
da viatura em que seguiam estacionou, sem saber, diante de uma das casas do
vice-presidente no Condomínio Jardim de Rosas, onde este nem sequer vive. Os
cinco foram torturados de forma bárbara e filmados com provas ridículas que
lhes colocaram nas mãos, tendo ainda sido obrigados a assinar confissões sob
ameaças de morte. Passaram mais de um mês na cadeia.
Estes cinco cidadãos apenas
foram libertados no dia em que publicámos o relato detalhado sobre a invenção
da tentativa de assassinato pelos órgãos policiais e de investigação criminal,
e para a qual contaram com a legalização do Ministério Público.
Não houve qualquer
responsabilização disciplinar e criminal pelo sucedido.
Quanto aos protestos contra o
governador de Malanje, Bornito de Sousa afirmou, na altura, que tal
comportamento não refletia o sentimento e o carácter dos malanjinos. O
vice-presidente descreveu os seus conterrâneos como tendo um carácter
“participativo, pacífico, patriótico, que sofreu sacrifícios durante a guerra e
quer ver o desenvolvimento da província e do país”.
Agora, deixamos a pergunta:
faz parte das atribuições dos efetivos da Polícia Nacional, do Serviço de
Investigação Criminal, do Ministério Público e dos juízes de Malanje a
compactuação na tortura, na detenção arbitrária e na condenação à toa de
cidadãos sobre os quais recaem suspeitas infundadas?
E, já agora, qual é o
sentimento do vice-presidente ao tomar conhecimento de mais esta triste
situação envolvendo novamente o seu nome? Parece que se tornou um hábito –
péssimo hábito – as autoridades torturarem e deterem cidadãos, e forjarem
provas envolvendo o nome de Bornito de Sousa. Ademais, as declarações deste
para nada servem. O vice-presidente vai continuar a manifestar indiferença, a
manter-se em silêncio, ou vai agir de modo a repor a legalidade e o sentimento
de justiça?
Os estudantes perderão o ano letivo
e continuarão a sofrer consequências desastrosas, simplesmente por terem sido
convocados, pela sua própria escola, para irem encher o comício do
vice-presidente?
Para já, é fundamental que os
estudantes de todo o país tomem nota deste caso e façam valer os seus direitos.
Não há nenhuma lei que os obrigue a ir aos comícios políticos seja de quem for.
A participação em atos políticos é uma questão de escolha pessoal.
O MPLA, como sempre, mantém-se
igual a si próprio no uso e abuso do povo, como se os cidadãos fossem material
descartável: a 21 de abril organizou uma marcha de apoio ao contestado governador Norberto dos Santos “Kwata-Kanawa”,
tendo mais uma vez recorrido à mesma população por quem tem manifestado
absoluto desprezo. Afinal, os estudantes que usou e meteu na cadeia devido a atos
de “desordem” e “atentados à paz” – e com o intuito de justificar a impopularidade
do governador – são filhos deste povo que o regime não se cansa de castigar.
Agora, cabe aos estudantes
demonstrarem solidariedade perante os seus colegas injustamente condenados e
encarcerados. Só por meio da solidariedade para com as vítimas dos abusos de
poder poderão os jovens afirmar a sua cidadania e o seu compromisso com o bem
comum.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 10-5-2018
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