Alberto Gonçalves
Como todos os estadistas minúsculos, o dr.
Costa é um enigma. Nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou
no carácter.
A de António Guterres. De modo a evitar “um conflito que será um
desastre para a população do país”, o eng. Guterres apela ao “diálogo”. Há
muito que a população vive entre a opressão e a miséria, disputa comida com
cães e, quando ganha, acaba a comer os cães, mas estas ligeirezas ainda não
configuram um desastre no curioso entendimento do eng. Guterres. A tragédia só
virá se, por cima da violência e da fome, escassear o “diálogo”. Relembro aos
jovens, que abençoadamente desconhecem a figura, que antes de dialogar na ONU e
até antes de dialogar com refugiados sortidos, o eng. Guterres passou uns anos
a promover o “diálogo” em Portugal, exercício que terminou no famoso “pântano”
e na famosa “retirada”. O homem é o equivalente político daquelas bonecas que
sopravam bolhas de sabão e pediam: “Anda brincar comigo…” Em 1995 ou em 2019,
não se pode dizer que o eng. Guterres não tem ideias firmes. Infelizmente, tem
apenas uma. E não chega a ser ideia.
B de Belo Governo que
nos apascenta. Pela voz do dr. Santos Silva, o governo acha que o tempo do sr.
Maduro acabou. Pelos vistos, e por sorte, só acabou agorinha mesmo, o que
permitiu que durante longos anos, sob o sr. Maduro ou sob o sr. Chávez, os diversos
governos que o dr. Santos Silva integrou pudessem anunciar sucessivas
negociatas com o criminoso, perdão, irmão regime venezuelano, com benefícios
óbvios para alguns cidadãos de lá e de cá. Cá, pelo menos, ninguém será
julgado, figurativa ou literalmente.
C de Caramba que o dr.
Rio possui imensa iniciativa. Questionado sobre a Venezuela, o dr. Rio, que
detesta ser questionado sobre qualquer assunto, fez o que costuma fazer: imitar
o governo e decretar que “o tempo de Maduro acabou”. Não satisfeito,
acrescentou ser prematuro reconhecer Juan Guaidó como presidente interino.
Aparentemente, o que o dr. Rio propõe para a Venezuela é o vazio. Bate certo.
D de Diacho que a dra.
Ana Gomes é mulher de convicções. Para a eurodeputada (é isso, não é?), o
socialismo não falhou na Venezuela porque o regime do sr. Maduro – e,
presume-se, do orangotango anterior – nunca foi socialista. É um “argumento”
recorrente. Sempre que a aplicação prática do socialismo resvala para a
ignomínia, o que acontece em cerca de 100% dos casos, deixa de ser socialismo e
transforma-se na ideologia antipática mais à mão. Quando o socialismo funciona,
o que acontece em cerca de 0% das situações, constata-se que o socialismo não
falha.
E de É preciso ter
lata. Para os senhores e as senhoras do BE, o “chavismo” do sr. Maduro já não
presta, embora não fique claro quando é que, após anos de veneração, deixou de
prestar. Se certamente não foi quando o regime começou a censurar, prender e
matar opositores, talvez tenha sido quando interrompeu (?) o financiamento de
agremiações similares ao BE. Mesmo assim, e em homenagem aos louvores de
antigamente, o BE mantém ressalvas, lembrando a “pressão política
instrumentalizada de fora” (leia-se Trump e Bolsonaro), e explicando que “nem
Maduro, nem Guaidó” possuem “legitimidade para estar à frente da Venezuela”.
Defender o primeiro, nestes dias em que o BE decidiu fingir-se moderado e
democrático, pareceria mal. Defender o segundo, de facto legitimado pelo voto e
pela perseguição de assassinos, seria uma moderação exagerada.
F de Felizmente o PCP
não desilude. Em pleno século XXI (linda expressão), os ingénuos ainda julgam
apanhar os comunistas em falso, ao notar que estes, apesar disto e daquilo,
apoiam ditaduras sanguinárias. Esqueçam o advérbio, meus caros: não há “apesar”
nenhum. O PCP apoia ditaduras sanguinárias porque isso está na sua essência e,
não sei se repararam, no seu nome. “O PCP condena com veemência a nova operação
golpista orquestrada e comandada pelos EUA contra a Venezuela e o povo
venezuelano”, reza um comunicado, sendo que “Venezuela” e “povo venezuelano”,
em português, significam o conjunto de oligarcas e respectivos jagunços
encarregues de ambientar os teimosos nas virtudes do leninismo. É método velho:
à medida que a pedagogia vai eliminando os teimosos pela bala ou pela larica, o
PCP exalta as conquistas revolucionárias e critica a América por perturbar o
idílio.
G de Graças a Deus pelo
jornalismo de referência. Na Sic Notícias, enquanto se exibe um “twit” do
imperador da Bolívia (“Nuestra solidaridad con el pueblo venezolano y el
hermano @NicolasMaduro, en estas horas decisivas en que las garras del
imperialismo buscan nuevamente herir de muerte la democracia y
autodeterminación de los pueblos de #Sudamérica.”), um jornalista descobre, sem
estranhar, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Pouco depois, um
especialista em temas, Nuno Rogeiro, repete, também sem manifestar qualquer
surpresa, que até o sr. Morales está contra o sr. Maduro. Eis a utilidade da
informação televisiva nacional resumida em minutos. Não admira que os canais
ocupem a maior parte do tempo a debater foras-de-jogo e pênaltis.
H de Hosanas ao serviço
público. A RTP, que como as demais televisões ignorou, anos a fio, a triunfante
marcha bolivariana para a radical penúria, informa que as ruas venezuelanas
estão cheias de multidões “contra o governo e a favor do governo”, sem
especificar que a proporção será a dos adeptos de um Benfica-Riopele no estádio
da Luz. Garanto que preferia dissolver notas em ácido clorídrico a pagar semelhante
esgoto. Misteriosamente, porém, o Orçamento de Estado não permite a opção.
I de I o que disse o
prof. Marcelo? Provavelmente, que espera que tudo corra pelo melhor e que é
preciso apurar responsabilidades, doa a quem doer. Falando a sério, não sei, nem
quero saber, o que disse o prof. Marcelo, personalidade que enfeita “selfies” e
que um dia voou para Cuba a fim de conhecer Fidel. Há limites para a paciência.
J de Juro que não
imagino o que sucederá na Venezuela. Gostava que as pessoas recuperassem a exata
liberdade que o socialismo suprimiu. E, por muito que desconfie de heróis,
tendo a acreditar que Juan Guaidó será o homem adequado ao processo, não tanto
pela decência dos que o apoiam, mas pela indecência dos que o contestam,
assumida ou, pior, disfarçadamente.
Nota de rodapé
Sobre a “Quadratura do
Círculo”, disse o dr. Costa em depoimento gravado: “a democracia exige um
debate plural, inteligente e culto e foi isso que o programa tem sido [sic] ao
longo destes anos”. Sobre os incidentes no Bairro da Jamaica, disse o dr. Costa
em resposta à dra. Cristas: “deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se
condeno ou não condeno.” Como todos os estadistas minúsculos, o dr. Costa é um
enigma. Nunca conseguimos apurar se é mais deficitário na língua ou no
carácter.
Título e Texto: Alberto Gonçalves,
Observador,
26-1-2019
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