Para quase 20 mil ex-funcionários, entre demitidos e aposentados, drama da Varig não tem fim.
Eduardo Andrejew/Da redação, Jornal Novo Hamburgo, domingo, 15 de agosto de 2010 - 14h52
Decepção e medo do futuro
Sadi Enio Holler, 69 anos, exibe com nostalgia seu antigo uniforme de engenheiro de voo da Varig. São três faixas nos punhos do casaco, que indicam a sua função. "Para voos internacionais", acrescenta. "Hoje, a minha função foi substituída pelo computador", lembra. Mas antes que isso ocorresse, em 1993, Holler aposentou-se. E esperava ter uma vida tranquila após tantos anos de trabalho e contribuição para o fundo Aerus. A paz, entretanto, durou menos tempo do que imaginava. Após a falência e venda da Varig, o Aerus foi minguando.
Holler, que começou recebendo em torno de R$ 6 mil, viu o dinheiro diminuir cada vez mais. "Hoje ganho apenas 13%", queixa-se, decepcionado. Sua principal fonte de renda vem do INSS – equivalente a três salários mínimos e meio. Holler mora com um dos seus três filhos em uma boa casa construída no bairro Jardim Mauá, em Novo Hamburgo, lembrança dos bons tempos.
A residência, ele mesmo observa, precisa de reparos. Mas qualquer reforma é impensável no momento, pois o pouco dinheiro que consegue juntar precisa ser economizado diante do futuro incerto. No meio de toda essa turbulência, enfrentou inclusive problemas de saúde. "Com a saúde afetada, fica difícil", desabafa.
Para fazer caixa, Holler, que trabalhou por 35 anos na Varig, precisou abrir mão de parte do seu patrimônio. "Virei vendedor. Vendi terrenos que recebi de herança dos meus pais", ironiza. Apesar de tudo, ele lembra que há colegas em situação muito pior do que a sua.
O piloto que se tornou empresário
Melhor sorte teve o ex-piloto Regis da Silva Brito. Residente em Montenegro, ele foi piloto de rotas internacionais da Varig entre 1984 e 2006. Percebendo que a empresa não ia bem, decidiu aderir ao Plano de Desligamento Voluntário. Por essa época, já desenvolvia projetos na área de construção civil. Tornou-se empresário, atua no ramo imobiliário e ainda pilota jatos Embraer 195. "O fechamento da Varig me forçou a desenvolver o lado empreendedor", diz, lembrando que muitos colegas não tiveram as mesmas chances.
Wanderlei Pires, que mora em São Leopoldo há 10 anos, trabalhou como comissário de bordo. Aposentou-se um ano antes da falência da Varig e conseguiu receber todos os seus direitos. "Eu estava mais ou menos preparado para o que vinha a acontecer", lembra. Ele admite, entretanto, que seu padrão de vida caiu, pois precisou cortar pela metade todos os gastos. Pires concorda que a única solução para o Aerus será a União pagar o que deve à Varig. "Mas não tenho esperança de que isso aconteça. A causa já havia sido ganha e ainda não pagaram", lamenta.
"Nunca imaginei uma situação dessas"
Gustavo João dos Santos não contém as lágrimas quando olha para uma foto antiga de um momento histórico. Ele e a tripulação fizeram o voo inaugural a Roma em um modelo 747. Aos 73 anos, o ex-engenheiro de voo se sente traído. "Tivemos que abrir mão de direitos na Fundação Ruben Berta e no INSS. Tinha garantia do governo para fundar o Aerus", lembra. Aposentou-se em 1992, recebendo o equivalente a R$ 5,8 mil. Hoje só ganha 8% do valor a que tem direito, além de R$ 1,2 mil pelo INSS. A situação é complicada para Santos, que está com problemas de saúde. Pai de três filhos, mora sozinho no bairro Campestre, em São Leopoldo.
A casa, de 580 metros quadrados, ilustra bem o drama de Santos. A fachada está mal-cuidada e as janelas sempre fechadas. A verdade é que a crise e os problemas de saúde provocaram uma brusca queda no padrão de vida. Vender a casa poderia ser uma solução. Mas seria necessário uma grande – e onerosa – reforma. Enquanto isso, Santos se defende como pode, vendendo o que tem a mão. "Estou dilapidando a minha própria casa", exclama enquanto caminha por sua enorme residência cada vez mais vazia. A garagem é alugada como depósito. Além disso, ele foi obrigado a vender mais três propriedades.
Santos só não abre mão de suas lembranças depois de 38 anos na empresa. Em uma estante, há uma coleção de miniaturas de aeronaves na qual trabalhou. Entre suas favoritas, está um modelo 1049 Super Constellation ano 1962. A saudade só é ofuscada pela revolta com o governo federal. "Nunca imaginei que passaria por uma situação dessas", diz. Ele e outros colegas, em protesto pela venda da Varig, devolveram suas condecorações ao Comando da Aeronáutica. Na janela do seu carro, um cartaz com o texto "Jamais esqueceremos: Varig/Aerus vítimas do governo Lula - onze mil funcionários demitidos sem direitos, oito mil aposentados abandonados".
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