Na segunda-feira à tarde, o Exército egípcio reconheceu como "legítimas" as reivindicações do "grande povo do Egipto" e garantiu que não usaria a força contra ele. "A liberdade de expressão, de forma pacífica, a todos é garantida." O comunicado, citado pela agência oficial Mena e pela televisão estatal, não é assinado. Sabe-se que a fonte é o Estado-Maior e que, portanto, significa a tomada de posição das Forças Armadas, indiciando que os militares assumiram a plena gestão da crise, desejam pilotar uma transição política e tranquilizar os aliados - os árabes e os EUA. A dinâmica pré-revolucionária pode, no entanto, obrigar os militares a precipitar essa transição.
Foto: Goran Tomasevic/Reuters |
O Exército é o garante último do regime instaurado em 1952 pela revolução nacionalista dos Oficiais Livres, de Nasser, que identificam com o Estado e o interesse nacional. Os militares, observa o analista americano Steve Cook que os estudou - Ruling but Not Governing: The Military and Political Development in Egypt, Algeria, and Turkey -, foram "os primeiros beneficiários desta ordem política e nunca intervieram abertamente na política porque o sistema funcionava relativamente bem sob um irmão oficial." Todos os Presidentes desde 1952 foram militares.
No momento em que o Estado, através do Presidente Hosni Mubarak, conhece uma crise de legitimidade sem precedentes e se confronta com um movimento de características pré-revolucionárias, resta às Forças Armadas intervir.
Os primeiros passos foram a nomeação de um vice-presidente, general Omar Suleiman, e uma remodelação governamental. O vice-presidente previne um cenário de vazio do poder como na Tunísia.
A intervenção
O Exército está na primeira linha desde o colapso da polícia na sexta-feira. A sua presença não quebrou a mobilização, pelo contrário, mas apaziguou a população. As cenas de fraternização com manifestantes foram ambíguas mas reforçaram a sua autoridade moral. Os soldados enviados para as ruas são profissionais e não conscritos. Disparar sobre a multidão - num cenário tipo Tiananmen - deslegitimaria e fracturaria as Forças Armadas.
Paralelamente, os militares parecem decididos a impedir que o "poder caia na rua". A partir do momento em que Mubarak e o Governo falharam em desmobilizar os manifestantes pela repressão policial e apelaram aos militares, são estes quem passa a comandar. O Exército não intervém para salvar Mubarak, mas o regime.
A incógnita é saber como conseguirá canalizar o maciço movimento que pede a cabeça do Presidente. O Exército conserva um trunfo valioso. Quem é posto em causa é Mubarak, não o regime e menos ainda os militares. A própria oposição islamista, a Irmandade Muçulmana, dá sinal de os não querer desafiar.
Mas confronta-se com um problema: a amplitude da mobilização, a dinâmica das massas e a euforia encerram um risco de rápida radicalização e de uma derrapagem que crie uma situação fora do controlo.
A sua estratégia inicial consistiria, segundo Cook, em ganhar tempo, esperar a lenta desmobilização dos protestos, organizar a sucessão presidencial e preparar reformas políticas.
Uma saída honrosa de Mubarak é importante para os militares, para evitar o sinal de ruptura. Mas a hipótese de ele permanecer formalmente no palácio até Setembro parece já irrealista.
Se chegar o momento em que o Exército tenha como única alternativa reprimir os manifestantes, "será muito mais simples despedir o Mubarak", prevê o investigador egipto-americano Tawfik Hamid.
A radicalização do movimento e a sua duração levantam um problema aos militares: diminuem a sua margem de manobra, tanto junto dos fundamentalistas como dos grupos democráticos, que subirão as exigências. Neste momento, nenhum dos campos tem ainda uma alternativa.
Democracia "tutelada"?
O Exército terá um cenário "ideal", observa o historiador Tewfik Aclimandos, especialista do Egipto no Collège de France. Começaria por uma reforma constitucional, prometida por Suleiman, para realizar este ano eleições presidenciais e legislativas. Não seria uma democracia plena, mas um compromisso.
A Irmandade Muçulmana aceitaria uma autolimitação, não concorrendo às presidenciais - o poder real reside no PR e não no Parlamento - e apresentando um número limitado de candidatos nas legislativas. Este pacto não seria inédito e Suleiman passa por ser adepto do diálogo com os Irmãos.
Este cenário teria como referência o antigo modelo turco. Permitiria manter a hegemonia do Exército, travar as tentações dos islamistas e evitar uma ruptura drástica na política externa do Egipto, salvaguardando as relações com os EUA - que o financiam maciçamente - e preservando o tratado de paz com Israel. Nas situações pré-revolucionárias a surpresa é a regra e o tempo é o que mais conta. Haverá ainda espaço, e tempo, para este compromisso de "democracia tutelada"?
Jorge Almeida Fernandes, Público, 02-02-2011, 16h21
Egyptian troops use water cannon to put out fires in Cairo's Tahrir Square.
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