segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Os talebans violam direitos humanos. Jura? Não acredito!

Ativistas de direitos humanos notaram, enfim, que o maior agressor no Afeganistão não é o Ocidente
Christopher Hitchens

Bem na semana em que os olhares se voltaram para a coragem e a maturidade magníficas da população no Cairo, uma reportagem de Cabul iniciava com o que certamente é o parágrafo de mais cair o queixo do ano. O texto do The New York Times dizia: “Os grupos de defesa dos direitos humanos internacionais e locais que trabalham no Afeganistão mudaram seu foco para começar a condenar abusos cometidos pelos talebans, em vez daqueles atribuídos aos militares americanos e seus aliados”.
A história segue ressaltando que o Taleban foi o culpado por “mais de três quartos de todas as baixas civis” e nos informa que alguns grupos de direitos humanos pensam em acusar seus militantes de crimes de guerra. “A preocupação dos ativistas”, continua a reportagem, “teria sido inusitada há um ano”, quando todos os protestos eram dirigidos às baixas causadas pelo contingente da aliança militar da Otan.

É preciso se perguntar por que a “comunidade” dos direitos humanos demorou tanto. Afinal, existem crimes de guerra e existe o crime (estabelecido em Nuremberg) de planejar travar uma guerra ofensiva. O Taleban, para começar, tomou o poder no Afeganistão por meio de violência indiscriminada; abrigou as forças da Al-Qaeda, que assassinaram alguns milhares de civis em um só dia em solo americano; e, há mais de uma década, faz uso de crueldade sistemática contra civis e trava uma guerra não declarada, sem uniforme ou estrutura formal de comando, contra uma força que está executando um mandato da ONU para a reconstrução do país. Além disso, durante seu período no poder, administrou o país como se fosse um imenso campo de concentração, escravizando a população feminina e levando a cabo uma campanha de extermínio contra a minoria hazara. Como é possível falar dessa barbaridade e das forças que se opõem a ela no mesmo tom?
A virada, na cabeça dos “ativistas” pelos direitos humanos, aparentemente ocorreu no fim de janeiro, quando um suicida taleban matou ao menos 14 civis no supermercado Finest, em Cabul. Entre os mortos estava uma conhecida ativista local chamada Hamida Barmaki, cujo marido e quatro filhos pequenos também foram mortos. Inocentes são mortos e mutilados todos os dias no Afeganistão. Mas, quando o terror atinge um dos hotéis ou supermercados mais chiques que abastecem o pessoal das ONGs em Cabul, de repente ocorre uma mudança abrupta da neutralidade moral.
Para sorte dos talebans, eles não fazem prisioneiros e não mantêm nenhum local de detenção – assim, pelo menos, não precisam enfrentar o exame daqueles exemplos de virtude que compararam a sério Guantánamo aos gulags, como a Anistia Internacional e Julian Assange, o fundador do WikiLeaks. Dá para imaginar um taleban sendo punido pelos “superiores” por assassinato ou rebaixado por falta de cuidado com a população local, como aconteceu várias vezes com os oficiais e soldados americanos? Em um exemplo surpreendente do tributo que o vício paga à virtude, o sádico mulá Mohammed Omar, ex-ditador do Afeganistão e agora comandante taleban, tentou promulgar um “código de conduta” a seus partidários em 2009. Ele supostamente deveria alertar contra matar inocentes, mas aparentemente só incitou ainda mais brutalidade.
Eu me lembro bem de participar de algumas coletivas no Paquistão, no inverno de 2001, e ver as expressões insuportavelmente presunçosas de vários porta-vozes de organizações de recursos humanos e “ajuda” preocupados que a operação militar contra o Taleban pudesse prejudicar suas próprias iniciativas. Não conseguiam ou se recusavam a ver que a remoção do Taleban era um pré-requisito para qualquer reconstrução ou ajuda de verdade. É um consolo ver que, quase uma década depois, eles pelo menos estão abertos à percepção de que o Taleban é o pior agressor. O próximo estágio – tomara que chegue logo – vai ser compreender que o Taleban não “viola” os direitos humanos, mas simplesmente não tem a menor ideia de que eles existem.
Christopher Hitchens é escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e colaborador regular do New York Times e The New York Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA, nº 666, 18-02-2011

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