Jacinto Flecha
Em Moscou, antes da revolução
soviética, o padeiro Ivanov era fornecedor da corte do Czar. Foi intimado a se
apresentar em palácio, devido a grave acusação.
– Como é que você explica
isso?
O Czar exibia pessoalmente um
pedaço de pão, onde uma aranha se destacava com todas as suas formas e
repugnâncias. Sem se impressionar com a carranca dos presentes, Ivanov pegou
tranquilamente o pedaço de pão, deu uma mordida onde se achava a aranha,
mastigou e engoliu o corpo de delito. E esclareceu:
– Era uma passa de uva,
majestade.
– Desde quando você coloca
passas no pão?
– Desde hoje, majestade.
Liberado impune, pois aquela
acusação não se sustentava depois de consumido o corpo de delito, a primeira
providência de Ivanov ao sair dali foi comprar bom sortimento de passas. E o
pão incrementado dele passou a render elogios e dinheiro. Não poderia ter sido
mais engenhosa a presença de espírito desse padeiro, apesar da repugnância
natural em engolir uma aranha.
Muitas situações justificam
gestos como esse, para tirar pessoas de apuros. Presenciei no colégio a
esperteza de um colega, que se apressou a engolir suas “colas” enquanto o
professor se encaminhava para flagrá-lo. E relatos de prisioneiros em
calabouços infectos apontam baratas, lagartixas, lesmas como alimento habitual.
Um parente idoso, bom contador
de casos, costumava manter inalterável a fisionomia ao concluir narrativas
evidentemente absurdas. Isso deixava os ouvintes espantados e inseguros, até
alguém dar uma boa gargalhada. Lembro-me, por exemplo, de ele afirmar que se
pode comer carne de cobra. E explicava:
– Quando você mata uma cobra deste
tamanho (e abrindo as mãos, aproximava os polegares de modo a representar dois
palmos), basta desprezar um palmo do lado da cabeça, outro do lado da cauda, e
comer a parte que sobrou, assada ou frita.
Muitas pessoas não acompanham
com atenção as narrativas, e acabam caindo na esparrela. Não sei se ainda se
cai na esparrela na linguagem atual, mas assim se dizia quando alguém foi
propositalmente enganado.
Consta que os chineses comem
com naturalidade coisas que nos provocariam repulsa ou náuseas, inclusive
cobras com mais de dois palmos; ou menos. Um prato que se considera requintado
é a sopa de ninho de andorinhas, feita com a saliva que elas usam para colar
gravetos uns nos outros, ao construírem seus ninhos. De onde vêm esses costumes
chineses? Quais calamidades os levaram a isso? Não sei, porém mais de quatro
milênios de história nem sempre garantiram vida fácil e agradável na China.
Temos disso provas bem recentes.
Não quero criar complicações
digestivas para o seu almoço ou jantar, por isso interrompo meu repertório de
repugnâncias alimentares, e volto minha atenção para os artífices da decadência
humana. Quem são esses? Que tipo de decadência promovem? O que tem ela a ver
com repugnância dos alimentos?
Você já deve ter visto na
imprensa, infernet e outras mídias uma onda recente propondo o consumo de
insetos como alimentos. Consumo habitual de almoço e jantar, não só naquelas
circunstâncias extremas que mencionei. Os artífices dessa decadência a
consideram normal, até desejável. Não faltam cretinos para experimentar a
novidade, como voluntários em sessões de alimentação com insetos. Convidados
depois a dar sua apreciação, nunca se declaram envergonhados por terem caído na
esparrela, elogiam o alto teor proteico e não sei que outros aspectos da sua
cretinice gastronômica. Uma espécie de propaganda para convidar e iludir
outros.
Vejo claramente a impressão
digital ambientalista nessa proposta de decadência alimentar. Sou
condescendente e compreensivo com cretinos de várias espécies, mas não com esses
decadentes voluntários a serviço da decadência. Estou pensando em compor um
fichário de todos eles, para uso em certas emergências. Por exemplo, naquelas
pragas de gafanhotos, quando soltam enxames multitudinários e aniquilam as
plantações. Seria muito prático transformar aspiradores de pó em aspiradores de
gafanhotos, encher panelões com eles e preparar guisados, sopas, cozidos,
moquecas, empadas, suflês, gratinados – pratos deliciosos e variados para
ambientalistas desvairados. E haverá sal de frutas à vontade…
Se você conhece algum desses
ambientalistas artífices da decadência, envie-me o nome para expandir o meu
fichário. Pragas assim são difíceis de eliminar, mas podemos reduzir uma delas
usando-a como alimento da outra. Produzindo indigestão grave com a empada de
gafanhoto, podemos reduzir as duas pragas. Vale o esforço.
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