Alexandre Homem Cristo
Lê-se e ouve-se que Passos
Coelho tem como desígnio ideológico aumentar a pobreza e abalar os alicerces do
Estado Social. Que, no Governo, se conspira para elevar ao máximo o estrago
social de cada medida política sobre os portugueses. Que aquilo que tantos
ingénuos qualificam de erro ou incompetência é, na realidade, a mais maligna
das mestrias: o objectivo não é andar para a frente, mas voltar para trás. Por
isso, o arranque do ano escolar não correu mal – foi sabotado por Nuno Crato
para fragilizar a escola pública e elitizar o ensino. Por isso, o caos na
plataforma Citius não foi um acidente – foi planeado por Teixeira da Cruz para
enfraquecer o sistema judicial. E, por isso, o caos nas urgências durante o
pico da gripe não se deveu a condições anormais para a época – foi promovido
por Paulo Macedo para fragilizar o serviço nacional de saúde e incentivar o
recurso a privados.
Tudo isto é ridículo e soa à
alienação característica das ideias conspirativas? Sim, é e soa. Mas, por mais
que custe aceitar a nossa sorte, esta tese que converte erros de governação em
actos deliberados de demolição do Estado não está limitada às mal frequentadas
caixas de comentário no facebook.
Está no debate parlamentar,
está nos jornais, está nas televisões, é repetida sucessivamente por políticos
e comentadores.
No último debate do Estado da
Nação, Jerónimo de Sousa assegurou: “há quem considere que este Governo é
incompetente. Nós consideramos que não, não é uma questão de incompetência: é
uma questão de opção. Foi sempre, desde a primeira hora, um objectivo central
deste Governo aumentar a exploração e o empobrecimento dos portugueses”.
Há tempos, na RTP, Raquel
Varela argumentou: “este homem sem qualidades [Passos Coelho] conseguiu –
não tem incompetência nenhuma, isso é completamente falso, isso é uma grande
desculpa de uma oposição incompetente – fazer tudo o que se tinha proposto
fazer; e nós passámos de dois milhões de pobres para três milhões”.
E, há dez dias, no Expresso e
mais subtil, Pedro Adão e Silva asseverou: “inscrever a desigualdade no tratamento dos cidadãos,
seja na relação com o fisco, na protecção social, na educação ou na saúde, é o
grande propósito deste Governo. Não nos iludamos, a incompetência e o desleixo
com que os membros do Governo se relacionam com os serviços são particularmente
eficazes na deslegitimação da acção do Estado.”
Pedro Adão e Silva,
"comentador" da SIC. Print Screen: JP
|
Nenhuma das acusações merece
discussão. É sempre assim com teorias de conspiração. Dão voz aos medos e
preconceitos do povo, são simples de explicar, populares e impossíveis de
rebater – quem opta por acreditar no irrazoável não está disponível para
aceitar a razão. Mas sendo inútil discuti-las, vale a pena destacar que estas
acusações estão generalizadas no debate. Que não são excepção, são a regra. E
que isso diz mais acerca do estado do país do que dezenas de estatísticas e
relatórios internacionais.
Deixámos de distinguir um
argumento sério de uma teoria da conspiração, já não estranhamos o que é
estranho, tratamos de modo igual o que é diferente. Assim está o debate
político – afastado do conteúdo das medidas, do impacto dos programas, das
leis, do que é real, do que deve ser a busca pelo bem-comum. E assim está o
debate público – formado por comentadores obedientes a narrativas partidárias e
a radicalismos que valem likes e partilhas no facebook. Inevitavelmente, assim
estamos nós. A economia pode crescer e o desemprego baixar, mas a única coisa
que anima as hostes é que Passos Coelho quer aumentar a pobreza.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
30-3-2015
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