quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sair da crise é eleitoralismo

Luís Naves


Em post anterior escrevi que a esquerda tem um discurso desadaptado à melhoria da situação económica. Em comentário, o leitor L. Rodrigues contestou a minha opinião e alertou para este post de Ricardo Paes Mamede, em Ladrões de Bicicletas, mas julgo que o texto citado só reforça aquilo que escrevi.

Os partidos da esquerda estão a colocar o período pós-troika nos seguintes termos: se o Governo optar pela saída à irlandesa, está a fazê-lo por eleitoralismo; se escolher o programa cautelar, escolheu a troika e falhou em toda a linha. No entanto, até Abril, quando o Governo decidir, alguém nos partidos de esquerda terá de dizer qual é a melhor táctica.

Na saída à irlandesa, temos taxas de juro ainda demasiado elevadas, mas já quase existe dinheiro para manter o País a funcionar até ao final de 2015. O programa cautelar estará certamente associado a condições (não digo da troika, mas pelo menos dos europeus). Que condições serão essas? Não sabemos, mas podemos especular: as previsões do FMI referidas no post de Ladrões de Bicicletas indicam que a despesa pública portuguesa, após as eleições de 2015, terá de continuar a ser cortada, talvez em 5 mil milhões de euros. Os impostos vão provavelmente baixar. O aumento nominal do PIB reduzirá o rácio da dívida portuguesa.

A leitura das previsões do FMI é de facto interessante. Publicadas há menos de três meses, estas estimativas já estão desactualizadas e falharam no desemprego de 2013. É também possível que a estimativa de crescimento em 2014 (0,8%) esteja subavaliada e comece a ser revista em alta. De resto, tal como escreve Paes Mamede, Portugal deverá ter nos próximos anos saldos primários da ordem de 3% do PIB. Pelo menos é isso que espera o FMI. O autor, professor de economia, acha improvável crescimento de 1,8%. No entanto, parece esquecer que os saldos primários elevados decorrem do Tratado Orçamental, que terá de ser cumprido por qualquer governo, independentemente de haver ou não cautelar. Dito de outra maneira: será forçoso ter saldos primários de 3%, se o País quiser pagar os juros da dívida acumulada pelos socialistas (estes juros serão de pelo menos 3,5% do PIB) e manter défices estruturais de 0,5%.

Então, o que quer a esquerda? Esta diz que sem cautelar não haverá crescimento suficiente para pagar as dívidas. Com cautelar, teremos condições que nos obrigam a continuar os cortes na despesa pública, mas precisamos também de cumprir as obrigações do Tratado que regula a zona euro. Vai dar mais ou menos ao mesmo. Logo, do ponto de vista da esquerda, a única solução que resta será abandonar o programa da troika a dois meses do seu final. Sair do euro e da União Europeia.

Num desenho animado da minha juventude havia uma personagem que passava o tempo a dizer, com voz muito grave: “We’re doomed”, “We’ll never make it” (estamos condenados, não vamos conseguir). Claro que os heróis se safavam sempre, mas ele insistia no episódio seguinte, “we’re doomed”, “we’ll never make it”. Os comentadores de esquerda fazem a mesma figura. Estiveram três anos a repetir que nunca íamos sair da crise e, agora resta-lhes dizer que sair da crise é eleitoralismo. Em resumo, não podendo defender as condições duras do cautelar ou uma vitória governamental, os partidos à esquerda do PS preparam-se para defender a saída do euro.
Título, Imagem e Texto: Luís Naves, Fragmentário, 12-02-2014

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