Rui Ramos
Os partidos democráticos na Europa
parecem tentados a reduzir a política à aritmética: já não interessa o que os
partidos extremistas defendem, mas só de quantos votos dispõem.
Durante dois meses, discutimos
a política portuguesa como se fosse tão específica como o pastel de nata ou o
galo de Barcelos. Ora, não é. Há muita coisa que é difícil de traduzir em
Portugal, mas não os nossos problemas políticos. A Espanha e a França
poupam-nos a todas as ilusões de originalidade, e podem servir também para
vermos melhor o que está em causa.
Em Portugal, temos António
Costa. A Espanha, por exemplo, tem Pedro Sánchez. O líder do PSOE é outro
socialista desesperado. Durante o Verão, proclamou que estava pronto a unir-se a quem quer que fosse para ser governo, mesmo que
perdesse as eleições. Recentemente, porém, introduziu uma nuance: afinal, só
fará pactos no caso de ganhar as eleições. Nem que seja por um voto, mas tem de
estar à frente do PP: “o importante e o decisivo é quem vai ser a primeira
força política em Espanha”. É provável que Sánchez esteja apenas preocupado em
prevenir uma aliança de Ciudadanos com o PP. Mas também é possível que, tendo
olhado para Portugal, não queira acabar à mercê de comunistas e de radicais,
como aconteceu a António Costa, que todos os dias tem de ouvir Jerónimo de
Sousa e Catarina Martins a explicarem-lhe a situação (na passada sexta-feira,
foi Jerónimo: “Não estamos nem perante um governo de esquerda, nem uma aliança
de esquerda ou das esquerdas”). Terá Sánchez finalmente percebido que, como
Rajoy insiste, a regra de entregar o governo ao partido mais votado seria
a melhor maneira de refrear os “partidos emergentes” e reservar o poder para os
dois grandes partidos do regime?
Em Portugal, temos o PCP e o
BE. A França tem a Frente Nacional. Em França, até agora, os votos não eram
todos iguais. Em vez do “arco da governação”, havia a “frente republicana”, a
qual, através do sistema eleitoral, tem excluído a FN, não apenas do governo,
mas da própria representação: a FN é o maior partido de França, com 28% dos
votos na primeira volta regionais, mas tem apenas 2 deputados na Assembleia
Nacional (o PS, com 23% dos votos, tem 258). Manuel Valls, o primeiro-ministro
socialista, já apelou ao voto da esquerda na direita republicana, onde essa for a
única maneira de manter a FN de fora. Mas o líder da direita republicana,
Nicolas Sarkozy, não parece empenhado em qualquer reciprocidade. Há anos que a
direita republicana hesita em derrubar o “muro” com a direita nacionalista.
António Costa, em Portugal, não hesitou em relação ao comunismo. Isso explica
talvez a indiferença de Augusto Santos Silva perante o sucesso da FN em
França. Que podia dizer, quando Costa trouxe para a área do poder em Portugal
partidos tão protecionistas e tão anti-europeus como os nacionalistas
franceses? Costa desarmou a esquerda democrática portuguesa perante os extremismos.
Já lá vão os tempos em que todos condenavam a ascensão da extrema-direita. Na Grécia,
foi o próprio Syriza que levou a direita nacionalista ao poder. Dantes, os
extremos tocavam-se; agora, ajudam-se.
O que é novo em Portugal, na
Espanha ou na França não são tanto os resultados eleitorais dos partidos
“anti-sistema” (o PCP e o BE valem hoje, juntos, menos do que o PCP em 1979, e
a FN já foi segunda nas presidenciais de 2002). A novidade é a tentação dos
partidos democráticos (ou “republicanos”, como se diz em França) de incluir os
extremistas nos seus jogos de poder, isto é, reduzir a política à aritmética:
já não interessa o que esses partidos defendem, mas só de quantos votos
dispõem. Daí a tese, muito conveniente, de que os “votos são todos iguais” ou
(como argumenta Sarkozy em França) que já não há “votos contra a República“.
Em Portugal, já aconteceu; em
Espanha ou em França, pode acontecer. O custo é óbvio: o fortalecimento desses
partidos através das instituições de que até agora andaram excluídos. No caso
do PCP, já se percebeu o que quer: preservar a sua base de guerra nos
transportes urbanos, anular a Concertação Social, etc. Em troca do poder,
parecem até dispostos a admitir a “austeridade”, como o Syriza na Grécia. Vão
as democracias mudar o PCP e a Frente Nacional, ou vão eles acabar por mudar as
democracias? Os votos são todos iguais, mas as ideias e os partidos não.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
11-12-2015
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