Paulo Ferreira
É bom sinal que se eleve ao
estatuto de indignação política e orçamental um desvio de 0,03% do PIB. O país
está mais exigente e irrita-se quando tudo não bate certo como o melhor dos
relógios suíços.
Na quarta-feira, à hora de
almoço, li de relance os títulos dos “alertas” das apps de informação que, como
tanta gente, tenho instaladas no smartphone. Quando alguma coisa de relevante
acontece parece uma sinfonia de “pi pi” consecutivos que nos anunciam o que
está a acontecer. Desta vez eram só media portugueses e, portanto, o motivo da
urgência era nacional. Anunciava-se, em tom grave, que o Banco de Portugal
estava mais pessimista em relação ao andamento da economia, que tinha cortado
as previsões, que a economia ia, afinal, crescer menos do que estava previsto.
Ontem, quinta-feira, a mesma
coisa. O tema continuava a ser economia mas desta vez o protagonista era o
Governo, mais precisamente o ministro das Finanças. Os alertas voltavam a cair
à hora de almoço e diziam que havia uma derrapagem no défice, que iam ser
necessárias medidas extraordinária para o cumprir, que o Conselho de Ministros
tinha sido dedicado ao tema.
Num como no outro dia, com uma
conferência e algumas reuniões na agenda, só à noite consegui olhar para os
números para perceber a extensão das desgraças.
Fiquei desiludido. Isto não
são desgraças que se apresentem. Os números do Banco de Portugal mostram um
ajuste de uma décima para este ano e de duas décimas no crescimento previsto
para os próximos dois anos. Uma e duas décimas? Em previsões? Quando, ainda por
cima, os técnicos não dispõem de uma peça fundamental e com impacto nas
previsões como é o Orçamento do Estado? Não vale sequer a pena tirar conclusões
sobre o assunto. Será por causa do novo governo? Do velho governo? Da Alemanha?
Do terrorismo?
Vá lá, prever que a economia
cresce 1,6% em vez de 1,7% é um ajustamento de arredondamentos. E as duas
décimas dos próximos anos resolvem-se se os chineses decidirem comprar mais
dois navios de automóveis da Autoeuropa.
Mais desiludido ainda fiquei
ontem com a alegada derrapagem das contas públicas deste ano. Já preparado para
sacar do livro de cheques para pagar mais impostos para tapar o “buraco” –
afinal, tem sido essa a nossa vida desde 2010 -, fui à procura das notícias que
me informassem sobre o epicentro e a magnitude do terramoto. E encontrei isto:
congelamento de processos pendentes de descativações e transições de saldo de
gerência não urgentes; o novo Governo compromete-se a não assumir novos
compromissos financeiros não urgentes até ao final do ano; e há uma redução dos
fundos disponíveis das administrações públicas em 46 milhões de euros.
Afinal, a emergência
orçamental resolve-se de forma simples: basta accionar os mecanismos que já
estavam previstos, não permitindo que se gastem verbas já cativadas, e que não
se assumam novos compromissos. Ou seja, para cumprir o défice não se pode
gastar mais dinheiro do que estava previsto. E achamos isto dramático e
extraordinário.
Podemos olhar para isto como
mais um daqueles exercícios típicos da época de mudança de governos, em que o
que entra diaboliza e dramatiza a herança que lhe deixou o que sai. Uma espécie
de “vocês deixaram o país de tanga” de Durão Barroso, de “o défice real é de
6,83%” de Sócrates ou de “deixaram o país na bancarrota e chamaram a troika” de
Passos.
E tem todo o aspecto de o ser.
Mas é muito positivo que estejamos a fazer todo este alarido por uma derrapagem
de 46 milhões de euros, o equivalente a – o leitor está bem sentado? – qualquer
coisa como 0,03% do PIB. Se as contas forem rigorosas, Mário Centeno encontrou
um défice de 3,03% do PIB e teve que o ajustar para 3,00%.
Sem ironia, é um excelente
sinal que se eleve ao estatuto de indignação política e orçamental um desvio
desta grandeza. Isso quer dizer que o país está mais rigoroso, mais exigente, mais
alerta sobre a gestão orçamental e que se irrita quando tudo não bate certo
como o melhor dos relógios suíços. É como se houvesse uma chuva de protestos na
CP quando um comboio chega com um minuto de atraso.
Repare-se no contraste com o
que se passava no início da década. Em 2010 o país bateu todos os recordes de
desvios orçamentais. Já o ano tinha terminado e José Sócrates, então
primeiro-ministro, anunciava ao país que o défice tinha ficado “claramente
abaixo dos 7,3% previstos” porque tinha sido apurada uma folga orçamental de
800 milhões de euros. Mais tarde apurou-se que afinal o défice real tinha sido
de 11,2%. A derrapagem foi de 3,9 pontos percentuais até porque, como sabemos,
o contexto económico e orçamental de então era muito difícil.
Hoje ainda é muito exigente,
mas há uma enorme diferença entre o quase total descontrolo de então e o
controlo quase absoluto de hoje. A divergência orçamental que hoje nos indigna
é 130 vezes menor do que as que tínhamos há poucos anos.
Isso quer dizer que muita
coisa mudou entretanto. Na gestão orçamental, no controlo que há sobre as
contas públicas mas, sobretudo, na forma como políticos, comunicação social e
pelo menos alguma opinião publicada olha para estes temas. Hoje estamos mais
alemães na noção de que as contas do Estado têm que ser equilibradas, bater
certo e cumprir as metas. E isso é uma óptima notícia. Outra excelente notícia
seria que o governo mantivesse este nível de elevada exigência quando executar
os orçamentos que vai fazer.
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Jim, ahh !! se no Brasil estivéssemos só um pouco "tão Alemães" como em Portugal!
ResponderExcluirAbs.
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