Vitor Cunha
Doutor Sampaio da Nóvoa,
Sampaio da Nóvoa |
É com enorme consternação que
observo as tiradas de V. Exa. sobre “direito à educação” quando acompanhadas do
V. típico dicionário de parolice progressista desprovido de significado e preso
à sintaxe comprovadamente isenta de semântica por herança antropológica. A V.
candidatura, aliás, representa todo o cinismo da esquerda, que considerando-se
a legitima defensora da vontade popular, assume a necessidade da revolução em
nome deste amorfo povo de cima para baixo, pela elite que, arrogando-se o
direito de interpretar o que o povo quer, também se arroga o caminho de forma a
que se restrinja ao pensamento sancionado por indivíduos bafejados pela
clarividência de como as coisas devem ser, como V. Exa. Na realidade, nada
distingue um progressista de um déspota, daqueles que denunciam os vícios
burgueses por inconformismo pela incapacidade de ascensão à classe superior que
almejam, por sagacidade auto-atribuída. O que V. Exa. quer, como os outros, é
poder. Felizmente, o objectivo que traça não é alcançável, precisamente por ser
poder que V. Exa. e outros do mesmo molde desejam, em detrimento do fátuo sonho
que nunca se concretiza, particularmente quando o poder já foi alcançado.
Lamento que uma vida na
Academia – vulgo “esquerda” – permita que V. Exa. sinta apetência para a
apropriação de um objectivo comum para a sociedade na qualidade de candeeiro
que alumia o caminho para o Homem Novo. Em primeiro lugar, porque tal objectivo
comum não existe: a vida é o objectivo em si mesmo, não o meio para se chegar a
um futuro que nem V. Exa. nem qualquer outro progressista, embrenhado na imensa
solidão com que a esquerda permanentemente ansiosa em mudar o mundo se castiga,
consegue descrever; em segundo lugar, porque a sociedade existe apesar dos
progressistas, não por causa destes.
O que V. Exa. propõe é o
caminho para o nada. Recordo, com mágoa a um ilustre académico, que a expressão
“uma alternativa” significa, precisamente no contexto em que V. Exa. a usa, um
desvio ao rumo natural do progresso. Propor “uma alternativa” é, em si mesmo,
uma quebra do que é para algo que não consegue descrever como seria. Nós não
precisamos de alternativas, precisamos de alguém que saiba unificar o que
somos, não dividir para o que não podemos desejar querer ser.
Em nome das instituições que
pretende representar, apelo a V. Exa. que desista já da sua candidatura. Não
porque tenha qualquer hipótese de sucesso, apenas porque, de cada vez que abre
a boca, despe mais um pouco a Academia portuguesa do prestígio que nunca teve
mas sempre fingiu, com pompa balofa, possuir. Em nome dos funcionários públicos
da Academia, rogo a V. Exa. que pare imediatamente com esta desmistificação do
valor intelectual na parasitagem que, em nome da Ciência, ainda se vai
apresentando à sociedade com o devido decoro pela nescidade que sabe conter.
Cordialmente,
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
11-12-2015
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