sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Carta aberta a Sampaio da Nóvoa

Vitor Cunha

Doutor Sampaio da Nóvoa,

Sampaio da Nóvoa
É com enorme consternação que observo as tiradas de V. Exa. sobre “direito à educação” quando acompanhadas do V. típico dicionário de parolice progressista desprovido de significado e preso à sintaxe comprovadamente isenta de semântica por herança antropológica. A V. candidatura, aliás, representa todo o cinismo da esquerda, que considerando-se a legitima defensora da vontade popular, assume a necessidade da revolução em nome deste amorfo povo de cima para baixo, pela elite que, arrogando-se o direito de interpretar o que o povo quer, também se arroga o caminho de forma a que se restrinja ao pensamento sancionado por indivíduos bafejados pela clarividência de como as coisas devem ser, como V. Exa. Na realidade, nada distingue um progressista de um déspota, daqueles que denunciam os vícios burgueses por inconformismo pela incapacidade de ascensão à classe superior que almejam, por sagacidade auto-atribuída. O que V. Exa. quer, como os outros, é poder. Felizmente, o objectivo que traça não é alcançável, precisamente por ser poder que V. Exa. e outros do mesmo molde desejam, em detrimento do fátuo sonho que nunca se concretiza, particularmente quando o poder já foi alcançado.

Lamento que uma vida na Academia – vulgo “esquerda” – permita que V. Exa. sinta apetência para a apropriação de um objectivo comum para a sociedade na qualidade de candeeiro que alumia o caminho para o Homem Novo. Em primeiro lugar, porque tal objectivo comum não existe: a vida é o objectivo em si mesmo, não o meio para se chegar a um futuro que nem V. Exa. nem qualquer outro progressista, embrenhado na imensa solidão com que a esquerda permanentemente ansiosa em mudar o mundo se castiga, consegue descrever; em segundo lugar, porque a sociedade existe apesar dos progressistas, não por causa destes.

O que V. Exa. propõe é o caminho para o nada. Recordo, com mágoa a um ilustre académico, que a expressão “uma alternativa” significa, precisamente no contexto em que V. Exa. a usa, um desvio ao rumo natural do progresso. Propor “uma alternativa” é, em si mesmo, uma quebra do que é para algo que não consegue descrever como seria. Nós não precisamos de alternativas, precisamos de alguém que saiba unificar o que somos, não dividir para o que não podemos desejar querer ser.

Em nome das instituições que pretende representar, apelo a V. Exa. que desista já da sua candidatura. Não porque tenha qualquer hipótese de sucesso, apenas porque, de cada vez que abre a boca, despe mais um pouco a Academia portuguesa do prestígio que nunca teve mas sempre fingiu, com pompa balofa, possuir. Em nome dos funcionários públicos da Academia, rogo a V. Exa. que pare imediatamente com esta desmistificação do valor intelectual na parasitagem que, em nome da Ciência, ainda se vai apresentando à sociedade com o devido decoro pela nescidade que sabe conter.

Cordialmente,
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 11-12-2015

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