Helena Matos
Marcelo apostou em ser tão consensual e vago
quanto a telenovela da hora do jantar. E num movimento reflexo do
enlanguescimento que na decadência se confunde com táctica, o PS apoia dois
candidatos.
Quando na festa dos 15 anos da
SIC Notícias Ricardo Costa, microfone na mão e câmara a emitir, disse ao
candidato presidencial Vitorino Francisco da Rocha e Silva, conhecido por Tino
de Rans “É um bocadinho difícil de perceber o que é que você está aqui a fazer”
e este lhe respondeu “Eu estou aqui porque fui convidado pela SIC” estava
produzido o momento definidor da nossa presente situação política: nós estamos
todos aqui, neste momento que sabemos de viragem, na qualidade de convidados.
Como aquelas pessoas, naquela
ou em qualquer outra gala televisiva, sabemos que a vida real corre para lá do
que não se vê: os fios, os cabos, gente com auriculares a correr, as ordens da
régie…
Enfim, tudo o que não se vê mas mantém a emissão no ar, mais os
figurantes sempre a sorrir, vestidos a preceito (a informalidade é só para os
actos institucionais, para a televisão como para as discotecas, veste-se o que
é preciso para não correr o risco de ficar à porta!) dizendo como estão felizes
por terem sido convidados…
Portugal neste início do 2016
vive um ambiente encenado de gala televisiva. Lá fora passam-se coisas que
apenas entrevemos pelos cantos do cenário: o BANIF; Mário Nogueira,
apaziguadamente formal à porta do Ministério da Educação, a dizer “vamos ver” e
todos os dias “vemos” a escola pública a ser entregue à CGTP; as notícias
festivas dizendo que “Paz social regressa ao porto de Lisboa” que é como quem
diz que os sindicatos vão continuar a controlar quem pode ou não ser
contratado; a reversão da privatização dos transportes públicos e da TAP que “volta para o Estado, com ou sem acordo”…
Cada um de nós sabe que num
determinado momento – quando? – tudo isto se desmoronará mas até lá sorrimos
como os convidados da gala. Entretanto dizemos banalidades como os convidados
da gala. E sorrimos quase vingados quando alguém perante o “faz de conta que te
estou a fazer uma pergunta” responde o óbvio que os outros calam: estou aqui porque
fui convidado. Convidado por ti. Para que tu tivesses espectáculo. Para que eu
aparecesse.
Tudo isto é uma fantochada mas é a nossa fantochada.
O primeiro-ministro, que chegou a São Bento como descarado penetra de festa televisiva, volta a sentar-se entre os seus parceiros da Quadratura do Círculo e, magia da televisão, voltamos a ouvir o “ó António” para aqui e para ali..! Como se dirá nas revistas cor-de-rosa (sim as políticas e as outras ditas de referência que também fazem política geralmente cor-de-rosa), é tudo gente gira.
Aliás é tudo tão giro que o
próprio António continua a falar como se não distinguisse São Bento dos
estúdios de Carnaxide: “O Governo tem pouco mais de um mês e a direita, que
começou por ficar raivosa pela existência do Governo, está agora mais raivosa
porque não só o Governo existe como também porque o Governo funciona.” –
Telegénico um primeiro-ministro a falar assim, não é? Dá soundbyte não dá? Como
diriam os colegas da Quadratura, “ó António” a direita raivosa é um boneco não
é?
Já os candidatos presidenciais
passaram os debates televisivos a protagonizar a prova “Se eu for presidente…”
Em televisão há quem cante, quem faça imitações, conte a sua vida e faça outras
coisas que para o caso não são chamadas. Os candidatos presidenciais, esses
resolveram mostrar como desempenhariam o papel do general Franco quando este
além de generalíssimo dos exércitos da Espanha, era também chefe de governo,
sendo que Franco, o caudilho, apesar de tudo, só mandava em Espanha e os nossos
“vamos fazer de conta que somos presidentes” também se propõem mandar na
Europa. Aliás quanto menos possibilidades têm de ser eleitos maior é o delírio
sobre os poderes presidenciais.
Se isto fosse a sério dava vontade de chorar mas como estamos neste ambiente de gala de fim de regime não espanta. Emociona e chama-se participação popular.
Se isto fosse a sério dava vontade de chorar mas como estamos neste ambiente de gala de fim de regime não espanta. Emociona e chama-se participação popular.
Claro que temos Marcelo que não, não é um produto televisivo. Parafraseando alguém cujo nome devia ter fixado para aqui o citar, há quantos anos e milhares de horas faz comentário televisivo, escrito e radiofónico Pacheco Pereira? Quantos votos teria ele caso se candidatasse?
Marcelo percebeu sim muito antes dos demais, as vantagens que esse mundo lhe traria. Com o talento e a inteligência que tem (sim, o talento e a inteligência existem e não estão distribuídos equitativamente entre os mortais e muito menos entre os candidatos destas presidenciais) Marcelo, o filho prodígio da família Rebelo de Sousa, o professor amado, o orador brilhante, não quis para si uma campanha dura como a primeira de Eanes, ou a de Freitas e muito menos as protagonizadas por Cavaco.
Ou seja não quis ver-se transformado, como sempre acontece com os candidatos não apoiados pela esquerda, no perigoso fascista que mal chegue a Belém porá em causa os pilares democráticos do regime. Marcelo, que tudo podia, apostou em não ser nada tornando-se tão consensual e vago quanto a telenovela da hora do jantar que todos vêem, o que ainda contribui mais para adensar o ambiente decadente deste baile de máscaras: por razões diversas, à direita e à esquerda, alimenta-se o mito de que, uma vez eleito, no momento certo, Marcelo finalmente revelará as suas convicções. E num movimento reflexo – afinal estamos num baile! – do enlanguescimento que na decadência se confunde com táctica, o PS declara apoiar dois candidatos! Já agora porque não três ou quatro?
De facto, como dizia Ricardo Costa, é um bocadinho difícil de perceber não o que aquele que os jornalistas tratam como Tino de Rans está aqui a fazer mas sim todos nós.
Sabemos que algures o cenário vai ser desmontado, as luzes vão apagar-se, a emissão cair e então ficaremos constrangidos, diante de nós mesmos, no meio de uma crise bem mais grave que a de 2011. E não me refiro apenas ou sobretudo à economia. Falo sim das institituições afectadas por algo muito mais corrosivo que o deficit: o ridículo.
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