Maria João Marques
Ia escrever sobre a abstenção
quando apanhei no twitter a notícia de que o governo italiano tinha coberto as
estátuas de nus do Museu Capitolino para que não ofendessem o suscetível
presidente do Irão
Já tinha um texto escrito, só
a precisar de revisão e apuro do tom cáustico e irónico, a verberar os
moralistas anti-abstenção que atacam em cada ato eleitoral, e a explicar como a
abstenção é, algumas vezes, mesmo aquilo que os políticos e os partidos merecem
e de forma nenhuma um desinteresse pela política e pela participação. Mas não
estava destinado a ser, porque de repente apanhei no twitter a notícia de que o
governo italiano tinha coberto as estátuas de nus do Museu Capitolino
para que estas não ofendessem o suscetível presidente do Irão, pelas Europas em
visita oficial.
E depois de se ter dissipado o
encarnado que tomou conta do meu campo de visão com esta notícia, lá me decidi
que afinal devia escrever sobre os governantes que temos que teimam em
esterilizar – ou, se calhar, deformar seria melhor palavra – a realidade em que
vivemos na prossecução dos seus objetivos progressistas.
Neste caso do presidente do
Irão versus as estátuas de nus romanas, há que ser taxativa.
1) Cabe-nos defender e
orgulharmo-nos da cultura europeia, e proclamar que é, até ver, a mais justa,
decente e (sim, não tenho medo da palavra) civilizada que o mundo produziu. O
facto de ter falhas e imperfeições e potencial de ser melhorada não nos pode
levar a um relativismo amoral de fazer equiparar – ou, em alguns casos,
denegrir – a nossa cultura ocidental aos barbarismos mais ou menos declarados
de outras zonas do globo. E se dizia no outro dia que para defender a Europa temos de defender o Natal, também é verdade que temos de
defender as esplendorosas estátuas de nus renascentistas que o génio europeu
produziu. É degradante cobrirmos as expressões artísticas da nossa cultura e da
nossa História para agradar a um visitante.
2) Se o presidente do Irão não
consegue conviver mantendo a sanidade (supondo que a tem) com estátuas de nus,
que fique no Irão. Ou, querendo fazer negócios com os europeus e mante relações
diplomáticas, engole os puritanismos e aprende a desviar os olhos das partes
baixas das estátuas italianas. Ou – já que os progressistas barra lunáticos
apreciam tanto ensinar os outros – destaca-se um guia para ensinar ao
presidente Rouhani que o mal das estátuas está todo, afinal, no conservador
iraniano. Há dois anos estive em Florença com as minhas crianças, que também
aproveitaram para se escandalizar (e rir) muito com as estátuas renascentistas
de pessoas despidas pelas ruas da cidade. E lá levaram a necessária lição de
que os meus filhos querem-se cosmopolitas e não puritanos. Forneço com gosto o
conteúdo dos ensinamentos para crianças sub 10 que ofereci às minhas, que
aparentemente aproveitaria ao presidente iraniano.
Por cá, apagar a realidade
continua estratégia orçamental. Na melhor tradição socrática, que chamava os
orçamentos retificativos de orçamentos ‘suplementares’ e ‘redistributivos’,
também agora, no tempo novo, chamamos aos aumentos de impostos ‘atualizar’ e
‘recalibrar’ impostos. E aos desconchavos do ministro Centeno chamamos
orçamento de 2016. (Sempre avisei que os políticos mais cinzentos têm
imaginações fulgurantes na hora de nos cobrar impostos e de gastar o nosso
dinheiro.)
Mais longe temos o governo da
província de Alberta, no Canadá, que baniu das escolas as palavras ‘mãe’ e ‘pai’, bem como os opressores indicativos de género ‘ele’, ‘ela’, ‘dele’ e ‘dela’. Só se pode
falar – não esquecer que o inglês é uma língua digna que não tem feminino nem
masculino – em cuidador, famílias, estudante, acompanhante e outras coisas que
não indiciem laços biológicos entre ‘cuidadores’ e ‘estudantes’. (Parecendo que
não, a repugnância pelos sinais da existência de sexo são tão evidentes nestes
lunáticos canadianos como nos conservadores iranianos.)
A partir de agora em Alberta
são os alunos que usam a ‘auto-identificação’ para decidir a que género
pertencem, e nada de constrições, pode ser um género feito à medida de cada um
e exigirem serem tratados por ‘ze’ ou, até ‘they’ (presumo que para acomodar as
várias personalidades distintas dentro do mesmo estudante, que nem sequer são
obrigadas a terem todas a mesma orientação ou identificação sexual). Claro que
dentro de uns tempos vão estar cheios de casos de adolescentes que se
auto-identificam como do mesmo sexo (mas que nos tempos neolíticos dizíamos de
sexo diferente) para irem espreitar outras pessoas do mesmo sexo (mas que são
anatomicamente diferentes) nas casas de banho e nos balneários. E quem não
estiver satisfeito que se mude.
Eu entretanto vou aprendendo –
que se os lunáticos não forem travados, cá chegarão – que descrever-me como
‘mãe’ dos meus filhos é algo que devo fazer apenas na intimidade, no círculo de
amigos mais restrito. Dizer-me ‘mãe’, em público, será tão escandaloso como
contar pormenores sexuais ou detalhar tratamentos médicos. Vou escrever para as
professoras – perdão, para @s ensinantes – dos meus filhos a exigir que me
comecem a chamar de guardiã de X e de Y. Isto tudo, evidente, em nome da
auto-identificação – que eu posso escolher desde que não escolha
auto-identificar-me como ‘mãe’. A liberdade e a inclusão têm limites e palavras
indecorosas como ‘mãe’ é um deles.
Voltando ao início, se calhar
a abstenção é mesmo má. Devemos sempre votar contra políticos que enrubesçam
com os factos e não possuam aderência à realidade.
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