Alberto Gonçalves
Oficial e abençoadamente, a
austeridade acabou. Talvez por distracção, o que não acabou foi o défice, que
será o segundo maior da "zona euro" em 2016. Nem a dívida, que em
2021 promete destacar-se na Europa. Sobre o crescimento, prevê-se que nos
arrastemos pelos fundilhos da Terra. As exportações não andam risonhas. O
desemprego sobe. O tom dramático dos avisos do FMI também sobe, à semelhança do
cepticismo das agências de rating. O investimento estrangeiro ameaça tornar-se
uma figura retórica. Principalmente, paira por aí a fatal impressão de que se tende
a perder, e depressa, os débeis laços que nos seguravam do lado certo da
civilização. Até o sr. Draghi saiu daqui arrepiado.
Porque é que isto acontece?
Ninguém faz ideia. Um governo do partido derrotado nas urnas, chefiado por uma
nulidade irresponsável, herdeiro da histórica competência do PS, repleto de
adolescentes mentais e iluminado pela ponderação do PCP e do BE tinha tudo para
funcionar. É a história do maluco que se lançou várias vezes do 3.º andar com
consequências aborrecidas - e agora lança-se do 5.º para ver se aterra ileso.
Por estes dias, Alexis
Tsipras, que salvou a Grécia da austeridade para a enfiar no caos, recebeu em
êxtase o dr. Costa e, a título de elogio, chamou-lhe comunista. Não é um bom
sinal: é, ou deveria ser, um convite ao pânico. Só que não há pânico algum.
Contemplar a querida pátria através dos media, e sobretudo das televisões, é
suportar intermináveis lengalengas acerca da "normalidade
democrática". É ouvir louvores ao "entendimento" da maioria parlamentar.
É perceber a resignação, entusiástica ou apática, aos indivíduos que tomaram
conta de um país mal-amanhado e, tarde ou cedo, devolverão um destroço
irrecuperável. O maluco continua a cair e apenas se debate a limpeza da calçada
que o espera.
Os nossos media inclinam-se
para a esquerda? Talvez, mas nem é isso que importa. A esquerda, preponderante
ou não, cumpre o seu papel. O problema é que a "direita" ou, sem
aspas, o que sobra da esquerda não cumpre o dela. Salvo excepções, contemplar
os alegados adversários do poder em vigor é descobrir uma realidade às avessas.
Quem são os comentadores da "direita"? São os que se fingem
sociais--democratas para catequizar as massas com puro terceiro-mundismo. Ou os
que se dizem do PSD para conferir peculiar "legitimidade" à veneração
do PS. Ou os incapazes de criticar qualquer estalinista ou similar sem primeiro
anunciarem o "enorme respeito" que lhe dedicam. Ou os que quase se
envergonham por defender vagamente, muito vagamente, a propriedade privada ou a
concorrência ou a globalização. Ou os que não referem as evidentes vantagens do
capitalismo sem acrescentar de imediato a necessidade do respectivo controlo.
Ou os que se declaram à direita na economia e, a fim de exibir credenciais (e
de facto exibindo estupidez), à esquerda nas "questões sociais". Ou
os que se orgulham de ter "amigos" cujas convicções, se plenamente
aplicadas, incluem a abolição de fraternidades assim.
Em suma, estamos num país onde
a esquerda não tolera a existência de "reaccionários" ou
"neoliberais" (convém simplificar para não perturbar os analfabetos).
E onde a "direita" pede licença, e frequentemente desculpa, por
existir. Uns possuem uma visão sectária e senhorial do regime, os outros
suspeitam ser inquilinos a prazo. Uns determinam os limites admissíveis do
discurso, os restantes vivem receosos de ultrapassá-los. Este desequilíbrio
essencial perverte a discussão pública e promove um estado de alucinação
contínua.
Normalidade democrática? Não é
nada normal que uma autarquia socialista convoque uma homenagem ao falecido
tiranete da Venezuela. Não é normal que um ministro ofereça um par de bofetadas
a colunistas e um par de deputadas intimide colunistas em tribunal. Não é
normal que o primeiro-ministro redistribua jovialmente os impostos de todos
pelo "melhor amigo". Não é normal que se "compreenda" o
terror islâmico enquanto se luta para mudar a designação do Cartão de Cidadão
por ofensa às cidadãs. Não é normal que governantes consumidores de Luso e de
Mercedes aconselhem a ralé a beber água da torneira e a deslocar-se na Carris.
Não é normal que o PM grego nos apresente como exemplo de sucesso e o PM
irlandês como exemplo de tragédia. Não é normal que um governo não perca a
oportunidade de se envolver descaradamente em negociatas privadas. Não é normal
que um ministro da Defesa desfile a "irreverência" dos rústicos
perante a tropa. Não é normal que um ministro da Educação se empenhe a combater
a dita. Não seria normal que o sr. Centeno fosse sequer tesoureiro de uma mesa
de Monopoly. E não será normal que uma democracia ocidental acabe tomada por
uma federação de interesses pouquíssimo democráticos.
Se acharem que é normal, por
favor inscrevam-se de vez no PS ou num workshop do BE, participem em vigílias
pelos refugiados e em manifestações contra o "jugo alemão", passeiem
as T-shirts do "Che" e o amor a Lula e as obras completas do
Boaventura, berrem pelo Luaty ou de acordo com as conveniências esqueçam o
Luaty, excitem-se com os Papéis do Panamá e condenem as escutas de Sócrates,
assinem mais 600 artigos a reprovar Passos Coelho e a exaltar a
"capacidade negociadora" do inacreditável dr. Costa, aplaudam o dr.
Costa e escandalizem-se com os avanços do sr. Trump, enfim façam o que
quiserem.
Mas se acharem que não é
normal, digam.
lixo
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