Manuel Villaverde Cabral
O provável «impeachment» de Dilma acabará
por se parecer com o que sucedeu em Portugal no ano passado: uma espécie de
«golpe parlamentar", em que uma maioria parlamentar se sobrepõe ao
eleitorado.
Num estudo muito recente, o cientista político brasileiro
Marcus André Melo contextualiza e relativiza a crise brasileira em curso. Daí
se depreende que aquilo que está sucedendo é menos invulgar do que se poderia
crer e que os ecos mediáticos do processo de destituição da presidente Dilma se
devem muito mais à natureza ideológica e autoritária do partido no poder, o PT,
do que a alegados desígnios anti-democráticos da parte dos actuais adversários
do PT, ainda há pouco tempo seus aliados no governo.
Com efeito, o regime presidencial
importado dos Estados Unidos pela maioria dos países da América Latina está
longe de funcionar da mesma maneira que no país de origem, que aliás também não
está ausente de conflitos entre presidentes e membros do Congresso. Na América
Latina, o recurso ao «impeachment» dos presidentes é frequente e, no Brasil,
desde o fim da ditadura militar, além da destituição do presidente Collor em
1992, na qual Lula participou activamente, o PT moveu quatro tentativas de «impeachment» sem sucesso contra
Fernando Henrique Cardoso!
Na realidade, a extrema
fragmentação partidária, que passou de 18 partidos na presidência de FHC a
cerca de 30 com Dilma (se contarmos as fracções internas de muitos desses
partidos clientelares), bem como o efectivo peso político do federalismo
através dos governadores estaduais, esses sim é que são responsáveis por aquilo
que é conhecido no Brasil como o «presidencialismo de coalizão», cuja
pulverização e custos fiscais fizeram com que Dilma tenha
«semi-presidencializado» o sistema político com 13 partidos na coalizão
governamental! Neste momento, o que ela e o PT estão a enfrentar é o
desmoronamento dessa gigantesca e heteróclita coalizão, que ia desde a
extrema-esquerda à direita mais oportunista, perante a profunda recessão
económica e as revelações do enorme sistema de corrupção da empresa estatal
Petrobrás, que já levou à cadeia dirigentes do PT.
Resta saber se, como sucedeu
em Portugal e na Grécia quando aqui chegou a recessão mundial de 2007, esta foi
agravada pela crise política, como argumentei na altura, ou o inverso. O facto
é que, também no Brasil, a crise política precedeu a recessão económica com as
grandes manifestações de 2013 que fugiam a qualquer liderança partidária. Na
eleição de 2014 para a Câmara de Deputados, o PT, sendo o principal partido,
caiu para 13% apenas e nas presidenciais do final do ano, Dilma teve de ir à
segunda volta e só ganhou por 3%. Com a particularidade fundamental de o país
ficar dividido em dois: os estados assistidos do norte e os estados modernos e
dinâmicos do sul, onde o PT começou por ganhar e acabou perdendo: basta olhar
para o mapa das presidenciais desde 2002!
Nessa altura, segundo Marcus
Melo, «este estado de coisas reflectiu-se na vulnerabilidade política e nos
custos crescentes da constituição de qualquer coalizão governamental». Por seu
turno, a debilidade do governo impediu a tomada de medidas contra a derrapagem
fiscal e a quebra da economia que já perdeu tanto ou mais do que Portugal
durante o pior da recessão. No momento em que começam a declarar-se as
manifestações contra a corrupção generalizada desde o «mensalão» e a favor do
«impeachment» da presidente, Dilma já havia perdido qualquer controle da
coalizão, onde pontificava o PMDB – partido do vice-presidente, – e o governo
deixara de funcionar, com ministros a mudar a cada momento e o Congresso a
entrar em paralisia governativa…
Sem governo efectivo, os
poderes judiciais, seja contra a corrupção, seja contra a própria presidente e
contra um Lula regressado fora de tempo e com acusações às costas, a economia
perdeu qualquer rumo, o investimento sumiu e o desemprego continua a aumentar.
Não há propriamente um «golpe», muito menos de índole militar ou
anti-democrático, até porque não há concertação nem liderança afirmada, assim
como não há qualquer proposta mínima de governo nem de políticas para lidar com
a crise. Perante uma espécie de «legitimidade dual» em fragmentos, o provável
«impeachment» da presidente acabará por se parecer, num regime constitucional
como o brasileiro, com algo semelhante àquilo que sucedeu em Portugal no ano
passado: uma espécie de «golpe parlamentar» em que uma maioria previamente
inexistente se sobrepõe à vontade aparente do eleitorado… Só que, na altura, o
«golpe» era de esquerda e portanto legitimado pela ideologia dominante!
O facto de o PT estar no poder
há mais de 13 anos sem nunca ter chegado a 20% do voto congressual é que é
surpreendente num país democrático. Em contrapartida, não surpreende que o
maior partido brasileiro, o PMDB, destituído de qualquer base programática,
retome o poder no Congresso; em contrapartida, o inquietante é que continua a
não ser de esperar do PMDB qualquer contribuição para a reforma política,
financeira e económica do país… Todavia, em termos de responsabilidade
partidária neste conflito sem solução à vista, esta só pode ser de quem esteve
tanto tempo no poder sem o reformar… Mas o Brasil não acaba agora!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
24-4-2016
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Interessante conhecer a história recente de Portugal, todavia essa espécie de "golpe parlamentar", como prefere o articulista, é previsto na Constituição da República Federativa do Brasil e chama-se impedimento (impeachment) do presidente (art. 85 da C.F., incisos VI - atentado à lei orçamentaria - e VII - atentado ao cumprimento das leis), aplicável ao caso da presidenta Dilma.
ResponderExcluirO povo que está indo às ruas de verde, amarelo, azul e branco, e os deputados federais e senadores da república brasileira estão a defender a Democracia, porque defender a Democracia é defender a primazia da Constituição Federal e das Leis do país.
Defender a Democracia é também defender o cumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei nº 1.079/50 recepcionada pela CF/88 (artigo 4º, incisos V e VI improbidade administrativa).
A Dilma rasgou estas Leis e violou a C.F., e isto se caracteriza crimes de (ir)responsabilidade.
Se não houver punição, os adeptos da Dilma e do PT sentir-se-ão à vontade para impor ao país algo que tem outro nome, e que os petistas, PSOL, PCdoB, PDT fazem questão de esconder, e que se chama socialismo de extrema-esquerda ou socialismo ultrapassado pela história da humanidade.
ANTONIO AUGUSTO.
O efeito Brasilis corruptus é cópia do efeito lusitanus corruptus e vice-versa.
ExcluirEsquece o interlocutor do texto em epígrafe, que NOSSO REGIME É PRESIDENCIALISTA, então a tese de golpe parlamentar escoa-se pelo ralo. Eu acho que o regime parlamentarista foi feito para homens íntegros, com moral e ética decentes, coisa inexistente na classe política brasileira e portuguesa. Bem se vê que o autor desconhece os partidos políticos brasileiros quando escreve direita articulista. nossos partidos são da extrema esquerda até a esquerda liberal, nada mais que isso. Sempre houve intervenção governamental no sistema econômico, sem nunca baixar as taxas de juros do mercado empresarial e dos títulos da dívida pública.
Todo mundo sabe que a saída da crise brasileira é acabar com os cargos comissionados de apaniguados, diminuir o tamanho do estado, acabar com a estabilidade e aposentadorias integrais do funcionalismo público, com as benesses político-jurídicas, e terminar com o estado federativo, fazendo uma confederação de estados independentes, com leis naturais a cada região.
Porque o analista não fala da corrupção no banco Espírito santo, da Portugal Telecom em conluio com a mula retirante do nordeste, espero que a operação lava-jato chegue lá.
Uma constatação provável se acontecer o impedimento do Temer.
ExcluirSe vier a acontecer não passará no congresso.
Eu creio que o TSE não julgará esse ano a chapa do PT.
Se for no ano que vem haverá eleições indiretas, o congresso elegerá um presidente.