Rui Ramos
Ninguém exige a demissão de António
Costa, ninguém pede novas eleições: é talvez o mais claro sinal de que ninguém
acredita que a sua governação acabará bem.
Se há uma coisa que devia
preocupar António Costa, é esta: ninguém exige a sua demissão, ninguém parece
ter pressa em derrubá-lo, ninguém lhe cobiça o lugar. Ora, não há pior sinal
para um governante em Portugal.
Veja-se o caso do governo de
Passos Coelho. Entre 2011 e 2012, não havia quem não achasse o ajustamento
impossível. Os juros da dívida pública não paravam de subir. Toda a gente
criticava Passos, claro. Em Setembro de 2012, houve a manifestação da TSU. Mas
ninguém, entre os oligarcas, se propunha substituir o governo. Para quê? Para
ir executar o segundo resgate, ou negociar a saída do euro? Quase todos os
oligarcas desconfiavam de que o governo ia acabar muito mal, e ninguém desejava
perturbar o curso fatal dos acontecimentos. As coisas mudaram em 2013. Em
grande medida, porque a política do BCE criou, de modo inesperado, a
possibilidade de a aventura portuguesa da troika não terminar tragicamente. Os
juros começaram a baixar, e a ânsia da oposição a crescer. Ia talvez haver
dinheiro. Já valia a pena disputar o poder outra vez.
No Outono do ano passado,
houve quem se tivesse convencido de que António Costa ia colher os frutos do
ajustamento, isto é, repartir uma qualquer folga orçamental por pensionistas e funcionários,
e arranjar logo a seguir eleições que pudesse finalmente ganhar. Daí, a
excitação inicial da direita. O PSD e o CDS pareceram então tentados pela
intransigência e pela revolta. Foi o tempo da “ilegitimidade”. Mas esse
espírito de insurreição não durou. PSD e CDS tomaram os lugares da oposição,
fizeram congressos tranquilos, e desde então que aguardam pacientemente as
iniciativas de António Costa, “que é quem governa”.
Houve certamente muitas razões
para esta súbita acalmia. Mas uma razão está talvez acima de todas: a crença em
cenários favoráveis dissipou-se rapidamente, e hoje quase só o governo parece
ainda preso a essa ilusão. Percebeu-se que o “fim da austeridade” teria de ser
pouco mais do que simbólico, com muitas “cativações adicionais” escondidas nas
notas de rodapé. Tornou-se claro que a Comissão Europeia não deixaria Costa
abusar demasiado do dilúvio monetário do BCE, que tanto desespera os
aforradores alemães. Não ia haver um grande banquete, com eleições à sobremesa.
Portugal também não se vai transformar noutra Irlanda, que o ano passado,
depois do ajustamento, cresceu 7%. Ninguém, com Plano ou sem Plano, acredita
que o governo faça reformas. Ninguém, no meio de tanta incerteza fiscal,
acredita no estímulo ao consumo ou na atracção do investimento. Todos, pelo
contrário, admitem a possibilidade de um qualquer incidente fatídico (outro
banco?). O tempo continua a ser de coruja.
Neste contexto, para quê apear
António Costa? Apenas para o poupar ao seu provável fim, e o deixar a viver do
seu Plano de Reformas e do que “poderia ter sido”, como Sócrates ainda tenta
viver do PEC4? A oligarquia não está prudente, mas apenas fatalista. Ninguém se
há de precipitar. O PCP e o BE não abandonarão o governo antes que um confronto
qualquer com a Comissão Europeia lhes permita declararem-se vítimas da Europa
“neo-liberal”. Só então terão demonstrado que não se pode governar com a
Comissão Europeia, e com um PS demasiado tímido para se libertar do europeísmo.
Bem tentaram, mas não dá: só rompendo com a Europa – e, portanto, com o PS —
será possível decretar a felicidade. O PSD e o CDS, na oposição, também não têm
pressa. Também eles estão dispostos a esperar para que os factos provem que o
PS, agora comprometido com o PCP e o BE, insiste sempre nas mesmas receitas, e
acaba sempre por provocar mais austeridade. Nesse dia, ficará claro que só
rompendo com a esquerda poderá haver equilíbrio e prosperidade. O governo de
Costa será, assim, a dose final da vacina contra o socialismo em Portugal.
Quanto ao presidente da república, falará muito, reunirá muito, convidará muita
gente, como já convidou Mario Draghi – mas também ele saberá deixar o destino
tratar do governo. E o PS? Talvez António Costa descubra um dia destes que
entrar no governo não foi tão difícil como será sair. Todos, à sua maneira, lhe
darão corda: porque esperam que seja corda de enforcado.
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