Pedro Doria
Há uma imensa confusão
rondando as redes sociais a respeito do que dizem ou não os jornais
estrangeiros sobre a crise brasileira. Tornou-se comum, por algum motivo
misterioso, afirmar que lá fora há um movimento condenando o que a presidente
Dilma Rousseff chama de “golpe”. Não é verdade.
Qualquer jornal ocidental
divide o que publica em dois grupos. Há notícia e há opinião. Notícias são
matérias (mais curtas) ou reportagens (longas, em geral com apuração de fôlego)
que saem do trabalho de um ou mais repórteres que tentam relatar os fatos e como
as opiniões se dividem a seu respeito. Opinião é outra coisa. Há editoriais (a
opinião do jornal), colunas (pessoas que o jornal contrata para manifestar sua
opinião com frequência) e artigos avulsos, para quando alguém tem uma opinião
para manifestar. Por fim, ali no meio do caminho entre a notícia e a opinião,
estão as análises, que sem manifestar uma preferência pessoal tentam ajudar o
leitor a compreender o contexto no qual um fato se dá.
É assim que se organizam
jornais brasileiros, do resto das Américas e da Europa.
Um dos textos mais citados é
“A razão real pela qual os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment”,
publicado pelo jornal britânico “The Guardian”. É um artigo de opinião avulso,
assinado por David Miranda. Não é a opinião do jornal. É a opinião de um
cidadão brasileiro.
Mas o “Guardian” manifestou
sua opinião em editorial, publicado com o título “Uma Tragédia é um Escândalo”
e no qual aponta os que considera responsáveis pela crise em que nos
encontramos: “transformações da economia global, a personalidade da presidente,
o PT ter abraçado um sistema de financiamento partidário baseado em corrupção,
o escândalo que estourou após as revelações, e uma relação disfuncional entre
Executivo e Legislativo”. Sem poupar em momento algum o Congresso ou Eduardo
Cunha, em nenhum momento o jornal britânico sequer cita o termo “golpe”.
Outros órgãos de imprensa
importantes se manifestaram em editoriais.
O do “Washington Post” começa
assim: “A presidente brasileira Dilma Rousseff insiste que o impeachment
levantado contra ela é um ‘golpe contra a democracia’. Certamente não o é.” A
partir daí, desanca tanto o governo Dilma quanto o Congresso Nacional. O único
elogio que os editorialistas do “Post” conseguem fazer ao Brasil é que, no
fundo, “este é um preço alto a pagar pela manutenção da lei — e, até agora,
esta é a única área na qual o Brasil tem ficado mais forte.”
A revista “The Economist"
também opinou a respeito. “Em manifestações diárias, a presidente brasileira
Dilma Rousseff e seus aliados chamam a tentativa de impeachment de Golpe de
Estado. É uma afirmação emotiva que mexe com pessoas além de seu Partido dos
Trabalhadores e mesmo além do Brasil.” Adiante, seguem os editorialistas, “a
denúncia de Golpes tem sido parte do kit de propaganda da esquerda.” O tom é
este. Para a “Economist,” o problema é que Dilma perdeu a capacidade de
governar, e, em regimes presidencialistas, quando isso ocorre a crise é sempre
grave.
O francês “Le Monde” intitulou
o seu editorial “Brasil: este não é um Golpe”, que suscitou críticas do editor
responsável pela relação do jornal com seus leitores, Frank Nouchi. Ele
considera a cobertura de seu periódico boa mas o editorial pouco equilibrado.
Suas críticas sugerem o jornalisticamente óbvio: os editorialistas não levaram
em conta o outro lado e passaram batidos, por exemplo, pelo envolvimento do
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em escândalos próprios. Nouchi não pede
desculpas, como sugerem alguns. O que o ombudsman cobra é um editorial mais
parecido com o dos outros veículos, capaz de mostrar por inteiro o fundo do
poço brasileiro.
As mesmas críticas
generalizadas às instituições políticas brasileiras estão no editorial mais
recente, publicado pelo americano “The Miami Herald”. “Os brasileiros não devem
se distrair. O crime que trouxe o país abaixo é roubo por parte de quem ocupa
cargos públicos. Que sigam atrás dos bandidos e deixem para os eleitores o
destino de políticos incompetentes.” Para os editorialistas, a incompetente é
Dilma, e bandidos, os políticos envolvidos em corrupção.
Há também uma série de
manifestações avulsas de opinião. Dentre as mais populares dos blogueiros
governistas está a entrevista concedida pelo jornalista americano Glenn
Greenwald a Christiane Amanpour, da CNN. Greenwald, que vive no Brasil e é
casado com com o autor do artigo do “Guardian”, é também um premiado e
respeitado jornalista que se especializou na difícil relação entre direitos
civis e tecnologias digitais. Nas redes sociais, é um crítico contumaz da
solução do impeachment. À CNN, disse que “plutocratas veem agora uma chance de
se livrar do PT por meios antidemocráticos.” Cita, como contexto, o extenso
envolvimento de inúmeros deputados, a começar pelo presidente da Câmara, com
escândalos de corrupção. Mas, mesmo quando questionado diretamente por
Amanpour, evitou o termo “golpe”.
A análise mais favorável à
presidente foi assinada pelo correspondente da principal revista de língua
alemã, a “Der Spiegel", e publicada em seu site. Jens Glüsing é o único a
criticar a Operação Lava-Jato, de acordo com uma versão traduzida, afirmando
que “o sucesso subiu à cabeça (do juiz Sérgio) Moro”. Ele atribuiu “aos
partidários de Lula” a advertência de que se prepara “um golpe frio contra a
democracia brasileira”.
No principal jornal espanhol,
“El País”, seu antigo correspondente e ainda colaborador no Brasil, Juan Arias,
também escreveu uma análise. “Aquilo que para o governo e seus seguidores no PT
é visto como um Golpe, para a oposição parece uma oportunidade de mudança de
rumo político após 13 anos de poder.” Arias ressalta que Eduardo Cunha está
envolvido em escândalos de corrupção, observa que há polarização política cada
vez mais aguda, mas, em momento algum, endossa a versão do governo. Esta é a
opinião do PT e pronto, não que a oposição seja inocente.
A cobertura estrangeira é boa,
é detalhista, com muita frequência põe o dedo em nossas feridas mais abertas.
Nenhum dos editoriais de grandes veículos é superficial. Todos veem a estrutura
política brasileira derretendo. E nenhum compra a ideia de que há um golpe em
curso.
Título e Texto: Pedro Doria, EXTRA,
26-4-2016
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