Vitor Cunha
– Estou? É da SIC?
– Bom dia, SIC, redacção
noticiosa. Está a falar com Joaquim. Em que posso ajudar?
– O meu filho Zezinho vai
emigrar.
– Está bem. Em que posso
ajudar?
– Vai emigrar, percebe? Isto
não se aguenta! É uma desgraça, uma ignomínia, o fim da democracia, a queda do
regime, cães e gatos mutilados na auto-estrada a caminho do purgatório para nos
condenarem a todos à podridão da decomposição do ethos e pathos que o colapso
do Estado Social acarreta no rumo ao fogo do inferno…
– Emigrar já não é notícia…
– Não é notícia? O Zezinho
andou 15 anos na escola para ser doutor, tem uma pós-graduação em entropia do
ser na dialética ocupante do espaço corpo-língua em zulus com menos de 35 anos,
não há emprego, não há investimento, nem há cluster do mar e da
filofarmacêutica, a reposição das pensões foi 2€ e já nem temos que comer que
seja biológico…
– Minha senhora, as coisas
agora são diferentes, a austeridade acabou, o Bem venceu, de que se queixa?
– O quê? Os estivadores estão
em greve, os taxistas em marcha lenta, as crianças morrem nos braços das mães,
que as comem para saciar o básico instinto de sobrevivência, nem os sírios
querem vir para este cu de Judas, este buraco onde a indignidade salarial
impera em conivência dos políticos com o grande capital da banca e dos
offshores opressores da Holanda e além-mar…
– Pois, isso agora não vende…
– …a ditadura dos mercados, a
escravidão do euro e da dívida segundo os ditames do directório europeu e das
políticas neoliberais que causam sismos e tsunamis, matando inocentes como
vítimas de um sistema corrupto em que os ricos ficam mais ricos e os pobres
morrem, como bem diz o Papa Franc…
– Pois, devia ter ligado no
ano passado. Teríamos colocado 6 equipas no terreno, 2 helicópteros e 4 drones
a acompanharem a emigração do seu filho em directo, com comentário do Adão e
Silva e um especial com Boaventura Sousa Santos e uma doutoranda qualquer que
seja filha de um ex-ministro de Sócrates. Agora já não cobrimos emigrações.
– Pronto, obrigado, fica para
a próxima. Desculpe.
– Não faz mal. Posso ajudar em
mais alguma coisa?
– Não, obrigado, era só. Boa
tarde.
– Boa tarde.
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