Paulo Ferreira
Durante décadas, comprámos apartamentos
novos na periferia, com boxes para carros e elevadores com memória. Enquanto
isso, lamentávamos a falta de gente a viver no centro e a degradação dos
edifícios.
O turismo é dos poucos
sectores que corre muito bem a Portugal. Mas parece que muita gente não está
satisfeita com isso. São uns chatos, os turistas. Não só têm o desplante de vir
conhecer o país e deixar cá o seu dinheiro – há décadas eram as famosas
“divisas”, que não tínhamos nos cofres para pagar as importações de petróleo –
como ainda levam a arrogância ao ponto de serem utilizadores de coisas como
tuk-tuks, de gostarem de experimentar a nossa comida em restaurantes e de
precisarem de hotéis para dormir.
Perante um grande aumento da
procura há pessoas ainda mais estranhas do que os turistas que se lembram de
investir e fazer negócios para a satisfazer, criando riqueza e emprego para o
país – e para algumas delas também, o que me parece totalmente legítimo quando
feito de acordo com as regras e a lei.
Essa gente está a abrir hotéis
um pouco por todo o país, sobretudo nas maiores cidades, que atraem mais
visitantes, sucedendo-se a abertura de novas unidades e a promessa de outras.
E somos então chegados ao
ponto em nos queixamos de uma coisa e do seu contrário. Lamentamos a nossa
sorte quando a actividade económica cai ou é anémica, quando o investimento não
aparece e quando a criação de emprego é uma miragem. Mas lamentamos igualmente
o nosso destino quando alguns sectores mostram uma dinâmica nunca vista, quando
se inova, se investe, se cria emprego e se desenvolvem negócios que levam os
turistas a gastar mais dinheiro por cá.
Olhando só para Lisboa, que
conheço melhor por observação directa, já repararam na quantidade e qualidade
de novos serviços na área do turismo, de novos restaurantes, tascas e cantinas
para todas as bolsas e paladares e de novos sítios para se dormir, de hostels
baratos a hotéis caros?
O problema, ouve-se a queixa,
é que esses hotéis começam a ocupar “porta sim, porta sim” do centro histórico
da cidade e da Baixa Pombalina. Não se trata de uma preocupação com a
sustentabilidade desses projectos turísticos face a uma forte e crescente
concorrência. Os seus promotores lá saberão fazer as contas para avaliar riscos
e oportunidades.
O problema, diz-se, é que
aquelas zonas da cidade vão ficar entregues aos turistas e, para que os hotéis
cresçam, encerram-se lojas antigas que ainda sobrevivem por lá.
Durante décadas falou-se da
desertificação de habitantes da baixa de Lisboa, da ausência de pessoas depois
das 19h00, quando os escritórios e o comércio fechava, de como aquelas eram
ruas fantasma durante a noite.
Durante essas mesmas décadas,
entretivemo-nos a comprar apartamentos novos em bairros construídos de raíz na
periferia, com boxes para os carros e elevadores com memória. Enquanto pedíamos
o crédito e marcávamos a escritura de compra, íamos lamentando a falta de gente
a viver no centro e a degradação dos edifícios.
Aos sucessivos governos sempre
faltou a coragem para alterar a lei do arrendamento que manteve os contratos
antigos congelados no ponto em que Salazar os tinha deixado.
Atirámos para cima dos
proprietários a responsabilidade de suportar uma política social de habitação,
para quem dela precisava – as pessoas de mais baixos rendimentos – mas também
para todos os outros – aqueles que, mesmo podendo pagar muito mais, foram aproveitando
rendas de poucas dezenas de euros.
Agora que os edifícios
precisam de reabilitação urgente e que os proprietários precisam de aumentar as
rendas para rentabilizar as obras, achamos que eles não podem entregar os
imóveis a quem as pode suportar e pagar.
Nos centros das nossas cidades
podemos hoje fazer uma visita guiada ao resultado de décadas de políticas
públicas erradas, incentivos perversos e medidas cobardes. O Estado deu
benefícios a quem comprava com empréstimo e a quem construía de novo enquanto
maltratava quem queria reabilitar ou fazer um novo arrendamento.
Com isso, atirou as pessoas
para fora da cidade mas manteve “ligado à máquina” muito comércio que só se foi
aguentando porque pagava rendas muito baixas, desincentivando a sua modernização.
Este óptimo trabalho do Observador faz disso um bom retrato.
As mesmas lojas que durante
décadas ignorámos olimpicamente, porque não estão abertas nos horários que mais
nos convêm, porque não encontramos lá a mesma diversidade de produtos de um centro
comercial e cujo nome, na maior parte dois casos, só agora lemos no anúncio de
encerramento, tornam-se agora alvo da comoção pública.
Esta é uma era de indignação
fácil, em que queremos tudo aos dias pares e o seu contrário nos dias ímpares.
Mas temos que perceber que as políticas públicas erradas têm um custo mais cedo
ou mais tarde. E entre ter uma baixa deserta, como esteve nas últimas décadas,
ou cheia de turistas, como agora começa a estar, é claramente preferível esta
última.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-