Alberto José
Em agosto de 1976, eu estava
há dez anos na VARIG e trabalhando na primeira classe do B-707 quando, ao
passar por um passageiro ele fez sinal e me aproximei. Então, ele tirou da boca
um caco de vidro que estava no copo de suco que ele estava bebendo. Desculpas
formais, irritação do passageiro; eu prometi mandar um relatório sobre o
incidente.
Algumas semanas depois, quando
a Comissária serviu um suco, o copo se partiu e molhou a roupa da passageira.
Mesmas desculpas e tentativa de contornar o problema.
A partir daí, comecei a
examinar os copos, encaixados com arame no lugar de molas, o que danificava os
copos da primeira classe.
Esses incidentes foram
relatados em reclamações (reportes) que eu mandei para o setor HV do DSB
sugerindo melhor fixação dos copos nas caixas. Meses depois, eu constatei que
nada havia mudado, e que eu poderia até ser responsabilizado por algum
passageiro com a garganta cortada.
Uma tarde, fui ao setor HV e
pedi a resposta dos relatórios que eu havia mandado. A secretária me informou que
não havia relatório algum sobre o assunto.
Preocupado com o descaso, fui
almoçar na empresa e encontrei a gentil secretária do Diretor (hoje falecida).
Contei a ela o problema e perguntei se o Diretor aceitaria receber um relatório
sobre o assunto. Ela respondeu: “Mas, é claro. Pode deixar na minha mesa.”
Eu sabia que estava quebrando
uma cadeia hierárquica “fatiada entre amigos” e iria pagar por isso. Mas o
dever estava acima das incongruências político-administrativas. Na minha visita
seguinte ao HV, para tratar de outro assunto, notei frieza e olhares
ameaçadores, certamente causados pela minha “ousadia”. No episódio seguinte, eu
estava voando DC-10 na classe econômica e fui avisado que estava escalado em
uma tripulação fixa, que permaneceria junta durante três meses.
No primeiro voo, ao embarcar,
me senti intimidado com o clima ameaçador. Vi que a tripulação tinha sido
escolhida “a dedo” para me constranger e castigar. O chefe, muito considerado
pela facção do grupo, me assediou moralmente o tempo todo, procurando me
responsabilizar por tudo que dava errado no serviço.
Ao longo dos voos, eu ficava
sozinho e nem cumprimentava os “colegas” da facção. O clima era brutal.
Nesse ponto, eu fui à chefia e
pedi para sair da tripulação. O chefe, com uma ponta de malícia negou, dizendo
que seria melhor que eu ficasse até o fim para ver o que iria acontecer!
Eu estava almoçando, como
sempre sozinho, no restaurante do hotel e o dedicado e ótimo colega (o Aca),
que era galley e nessa função ouvia tudo que se passava a bordo, me avisou que
eu estava sendo vítima de uma injustiça e que o objetivo deles era me colocar
na rua. Quando disse isso, o colega chegou a chorar!
Durante um voo, avisei ao
Supervisor da Cabine, gaúcho da facção, que um passageiro bêbado estava
incomodando duas passageiras. Após algum tempo, perguntei se ele não iria
chamar o Chefe, ele deu de ombros dizendo: “Va lá e resolva”! Eu vi que ele
queria me colocar numa “fria” e fiquei olhando a confusão aumentar. Nisso,
outros passageiros partiram para cima do bêbado. Então, o Chefe veio correndo,
olhando para mim com se eu tivesse causado a confusão. Quando ele foi agarrar
um passageiro que estava de pé, eu avisei que aquele passageiro estava nos
ajudando. Ele nem parou para ouvir, puxou o passageiro violentamente e quase
apanhou, além de ouvir a “esculhambação” do passageiro!
Quando mudei de tripulação,
fui chamado no HV e um chefe menor, também da facção, me avisou que eu havia
sido reportado e teria que responder à Junta Disciplinar, no dia seguinte, às
16 horas. Cheguei na hora e vi que eles estavam reunidos, discutindo “o que
iriam fazer trinta “julgadores”, muitos da facção. Cumprimentei a cada um
individualmente com um “shake-hand”. Quando cumprimentei o Chefe, dei um frio e
insosso boa-noite. Aí, o Gerente perguntou: “Você não vai apertar a mão do
colega”? Eu respondi: “Não estendo a mão para pessoas que querem me
prejudicar”! Foi um minuto de glória! Todos ficaram surpresos com a resposta. A
seguir, cada “julgador” me acusou de alguma coisa banal, “não sorriu no voo,
não cumprimentou os colegas, se isolou (!) do grupo, etc”. Foram cerca de trinta
“acusações” desse tipo e, a cada uma, eu respondia que ao fim do “julgamento”
eu iria esclarecer. Quando acabou o “sumário de culpa”, o Gerente disse que o
Chefe poderia ler o seu “reporte”, que foi uma repetição do que tinha sido
falado. Nesse momento, 7h da noite, abriram a porta do salão. Era o Diretor,
que devia ter estranhado uma reunião tão tarde da noite. Lembro que ele olhou
fixamente para mim e observou todo aquele grupo reunido em volta; ele deve ter
pensado “o que os leões estão fazendo com o ratinho”? A seguir, o Gerente pediu
que eu assinasse o “reporte” da facção, anexado à minha ficha funcional. Então,
eu apresentei três folhas contendo a minha defesa e pedi que ele lesse em voz
alta e, aí sim, eu assinaria a ficha com a minha defesa anexada. O Gerente leu
com em voz alta, enfatizando a pontuação e, ao fim, deu um murro na mesa e
falou bem alto: “Essas coisas não podem acontecer na empresa”! A seguir, a
“sentença” foi proferida:
“Alberto José, amanhã vamos lhe comunicar a
punição. Venha falar com o seu chefe para saber o resultado”. Então, eu
perguntei: “Quer dizer: ganho e não levo?” Resposta do Gerente: “É, você ganhou
e não vai levar”.
No dia seguinte, fui saber o
resultado do “julgamento”. O chefe me recebeu com um largo sorriso e falou:
“Alberto José, bom dia. Quer um cafezinho? Olhe, vamos esquecer tudo isso; você
quer ir para o baseamento? Deixe ver quando vamos poder lhe dar a promoção que
você merece (eu havia sido preterido duas vezes!) E… quando você encontrar
alguém (da facção) convide para tomar um cafezinho”!
A vaidade nas empresas causa o
sacrifício de bons profissionais!
Título e Texto: Alberto José, 25-7-2016
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Comungamos do mesmo veneno, eu prefiro deixar o meu episódio em que fui suspenso por 15 dias em "closed cold cases" .
ResponderExcluirNa junta disciplinar que me julgou tive 2 votos à favor , e dois contra.
O voto de minerva foi do grande Comandante Jean que transformou a demissão em 15 dias de gancho.
Depois tomando um chopinho no El Cid, ele me diz uma frase compensadora.
- Rochinha eu conhecia a peça e conheço você, duro é evitar as facções aqui dentro.
Muito bom depoimento! Apesar de tantas coisas boas, existia isso e era comum!
ResponderExcluirTuti Brandes de Freitas