sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A conspiração neoliberal na imprensa portuguesa e o Público

Sebastião Bugalho
Na sua crónica de opinião de hoje no Público, José Vítor Malheiros considera o Observador como um “órgão de propaganda neo-liberal”, “financiado por empresários conservadores empenhados em impor na esfera política e em defender no espaço público uma agenda de privatização de serviços públicos, desregulação económica, liberalização do mercado de trabalho, destruição de direitos sociais e demonização do Estado”.

ra o articulista, por outro lado, uma publicação ideologicamente assumida, mas à esquerda, teria “um ideário de combate às desigualdades e à injustiça social e em noticiar a actualidade a partir de um ponto de vista socialmente empenhado e intelectualmente independente dos poderes vigentes”.

O leitor fica assim a saber que, para Malheiros, a direita, ao mesmo tempo conservadora e “neo-liberal”, tenciona destruir os nossos direitos, enquanto a esquerda é “independente dos poderes vigentes”. Ora, tenho que confessar que esta novidade fez o meu dia. Além de ter passado a destacar-se uma direita conservadora em Portugal, em que o único partido que se assume de direita tem menos de 10% nas sondagens, a nossa esquerda também passou a ser “independente dos poderes vigentes”. O Partido Socialista, que da última vez que eu vi era o maior partido à esquerda do parlamento, tem, como é sabido, uma longa reputação de independência face a interesses. Perguntem à Galp e ao senhor Rocha Andrade. Ou ao Grupo Lena e ao senhor Sócrates. Estou certo que concordarão em uníssono.

A argumentação de Malheiros acerca da imprensa portuguesa é tão descabida quanto a sua análise política. Defende que o jornalista de um Observador “de esquerda” não teria lugar cativo nos “painéis de comentadores da RTP”. O canal de televisão público contratou recentemente um dos maiores opositores do PSD ao alegado “neo-liberalismo” de Passos Coelho, José Eduardo Martins; para não falar na presença assídua de Ana Drago, ex-Bloco.

Malheiros coloca mesmo a questão: porque não é o Observador apresentado como “ligado aos meios de direita radical”?

Uma pessoa que se dê ao trabalho de ler o estatuto editorial do Observador encontrará umas frases bonitas tiradas do “Sobre ser Conservador”, de Michael J. Oakeshott.

Oakeshott, que tem tanto a ver com neo-liberalismo quanto a feira de Castro e o olho do dito, foi um filósofo britânico cujos textos têm uma dimensão extraordinária de pensamento e qualidade literária, embora a sua aplicação à prática política seja limitada.

O facto de o Observador usar Oakeshott como estatuto editorial paralelo a uma maior simpatia pelos partidos menos socialistas em Portugal demonstra uma criatividade talvez apenas possível no mundo dos jornais. Mas não, meu caro leitor, o Observador não é de “direita radical”, assim como Passos Coelho não é um libertário que odeia o Estado. Qualquer caloiro de licenciatura em Ciência Política sabe que nenhum liberal - ou libertário ou neo-liberal ou o que for - alguma vez aumentaria impostos como o executivo passista aumentou. Qualquer cidadão que leia um programa eleitoral do Partido Social-Democrata - sublinho social-democrata - não encontra ideias contra o Estado social. E um economista também poderá explicar como a bancarrota de PS em 2011 foi verdadeiramente o maior rombo na manutenção desse Estado social.

A passagem do “neo-liberalismo” para as referências a Salazar não podia, claro, faltar ao texto de José Vítor Malheiros. Na cabeça de Malheiros, creio que foi Hayek a escrever as teses sobre o integralismo lusitano, que têm tanto a ver com o mercado livre quanto, mais uma vez, a feira de Castro e o olho do dito.

Ao contrário do que hoje publicou, o medo de Vítor Malheiros não é a “hegemonia do pensamento conservador”. O seu medo, na realidade, é a existência do pensamento conservador em democracia. É verdade. Ele existe, está cá e chateia. Especialmente aqueles que lidam mal com diversidade.

Com isto tudo, José Vítor Malheiros quereria enviar uma mensagem ao seu futuro director, David Dinis, que fundou o Observador e irá este ano para o Público. Antigamente, contam-me que um gajo telefonava para estas coisas. Era mais elegante, não era?
Título e Texto: Sebastião Bugalho, SOL, 24-8-2016

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