Alexandre Homem Cristo
Se a direita não aprender a lição de
2009, repete a derrota: denunciar contas falhadas não chega. Com a mensagem
certa, muitos preferirão mentiras. E o “Cenário Macroeconómico” prova que Costa
o sabe.
O “Cenário Macroeconómico” do
PS, elaborado há mais de um ano e construído para dar sustentação às propostas
eleitorais dos socialistas, foi atropelado pela realidade. Um atropelamento
mortal – dele não sobrou nada. De tal modo que, a esta distância, comparar o
Portugal real com aquele que os economistas do PS imaginaram chega a ser
embaraçante para a credibilidade destes – basta ler a confrontação de André Azevedo Alves para, quanto a isso, se ficar
esclarecido. Mas essa é a perspectiva, digamos, académica. A questão política
é, contudo, outra: que significado tem isto para a forma como, um ano depois,
avaliamos a estratégia do PS?
Uma leitura possível e mais
recorrente, aquela que André Azevedo Alves propõe, é a de um fracasso: para
garantir o apoio de PCP e BE, o PS “está a falhar drasticamente os
objectivos que o próprio PS havia delineado para o país há pouco mais de um ano
atrás”. Ou seja, em função da negociação do apoio parlamentar ao governo, o
plano desenhado pelo PS para o país foi sendo sacrificado até ficar
desvirtuado. Nesse sentido, o fracasso do “Cenário Macroeconómico” seria um
retrato da cedência dos socialistas aos seus actuais parceiros à esquerda. Ora,
a meu ver, esta leitura não está exacta: o objectivo do documento nunca foi
retratar fielmente o rumo da economia portuguesa, além de que o seu
desfasamento face à realidade é anterior à formação do actual governo.
O “Cenário Macroeconómico” do
PS surgiu, em Abril de 2015, para satisfazer uma necessidade política concreta:
legitimar o discurso de António Costa quanto a alternativas às políticas de
austeridade de PSD-CDS e, servindo de apoio ao programa eleitoral socialista,
credibilizar medidas como a acelerada reposição de salários da função pública –
que, na opinião pública, seria recebida com desconfiança enquanto medida
despesista e irresponsável caso não estivesse enquadrada pelo “Cenário
Macroeconómico”. Ou seja, o documento teve uma finalidade política, mediática e
eleitoral, e não uma utilização prática do ponto de vista económico. Assim, o
rigor das contas foi sempre o aspecto secundário da questão – de resto,
substituindo-se a transparência das mesmas (o PS nunca divulgou a base de dados
com que trabalhou) pela exibição do currículo de Mário Centeno, que deu a cara
e a reputação pela fiabilidade das previsões. O objectivo era, portanto,
simples: acertar-se na mensagem para levar o PS ao poder, mesmo que, para tal,
se tivesse de errar nas contas.
Sim, o PS perdeu as eleições –
e, assim, poder-se-ia considerar que também dessa perspectiva o “Cenário
Macroeconómico” fracassou. Mas essa leitura seria uma precipitação. Em boa
verdade, o “Cenário Macroeconómico” foi um sucesso. É que nele consta a
mensagem política – uma alternativa à austeridade sustentada no crescimento
económico por via do aumento do consumo – que está na base do entendimento
político entre PS e partidos à sua esquerda. Não importa se o documento ficou
condenado à prateleira da ficção, nem aflige a “geringonça” que essa estratégia
económica esteja a derrocar. O que importa é que foi essa ficção, partilhada
por PCP e BE, que permitiu o conciliar da mensagem política do PS com a dos
partidos à sua esquerda. No final, o “Cenário Macroeconómico” foi uma peça
determinante na estratégia socialista para chegar ao poder – e, portanto,
cumpriu o seu papel.
Enfim, é expectável (e justo)
que muitos assinalem, gozem ou se indignem com as incongruências, cada vez mais
gritantes, do “Cenário Macroeconómico” do PS – e, até, que estas sirvam de arma
retórica nos duelos parlamentares. Mas convém não esquecer que, na política
portuguesa, os factos contam pouco. E que, por isso, o país se entusiasmará
sempre mais a discutir as finanças públicas da perspectiva dos estados de
espírito (o “pessimismo” de Passos contra o “optimismo” de Costa) do que
recorrendo aos indicadores do INE. Em 2009, foi aliás o que aconteceu, quando o
“optimista” Sócrates venceu a “bota-abaixista” Ferreira Leite, para dois anos
depois entregar o país à troika. E, hoje, se a direita não aprender a lição,
arrisca-se a brevemente repetir a derrota: denunciar contas falhadas não chega,
é necessário oferecer uma ideia de futuro. Não basta ter os factos do seu lado.
Porque, perante a mensagem certa, serão sempre mais as pessoas que preferirão
mentiras. E o “Cenário Macroeconómico” prova que António Costa sabe isso muito
bem.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador, 22-8-2016
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